COIMBRA - CONFISSÃO

"O cristianismo é sobretudo um sentimento; o catolicismo é sobretudo uma instituição. Um vive da fé e da inspiração; o outro do dogma e da disciplina. Até meados do séc. XVI o catolicismo não é mais do que a transformação progressiva desse sentimento cristão na instituição religiosa. A partir daí a situação agrava-se dramaticamente. Em reacção ao movimento da Reforma de Lutero e Calvino, Roma convocou o Concílio de Trento (1545 - 1563). A solução dada ao problema foi o ódio e a cólera. O catolicismo agrava-se, fortificando a ortodoxia, tornando-se inabalável e absolutista. Em Trento estabelece-se o dogma do pecado original, uma condenação hereditária que só Cristo podia redimir; a eucaristia, vibrando com anátema sobre quem não crê na presença real de Cristo no pão e vinho do altar, uma verdadeira idolatria que faz reviver os tempos do paganismo; finalmente, em Trento, impõe-se a confissão (até aí facultativa). Na sessão 14ª de Trento, a consciência cristã é definitivamente encarcerada. Sem confissão não há remissão dos pecados. A alma é incapaz de comunicar directamente com Deus senão por intermédio de um padre. Funda-se aqui o poder, tão temível quanto misterioso, do confessionário. Aparece um tipo singular: o director espiritual. A partir daí há um padre em cada família, uma vontade oculta que governa a casa. Um intruso que manda mais que o dono" .

Excertos do opúsculo "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares", Antero de Quental (1871).
Na imagem, confessionário da Sé Velha, Coimbra.