Não sei porque vim para aqui. Era suposto voltar para o quarto. Devo estar muito mal para me trazerem para os Cuidados Intensivos. Um espaço branco. Mais branco que a cal. Luzes coadas. Camas articuladas ligadas a uma parafernália de fios. Indicadores luminosos, gráficos, computadores que apitam em permanente busca de sinais vitais. Ali temos a certeza de morrer completamente assistidos. Eu devia estar mesmo muito mal para estar na Unidade! Ao meu lado a D. Rosália gemia baixinho. Permanentemente rodeada de enfermeiras. Parece que lhe tinham tirado osso de fémur para enxertar uma vértebra, depois de lhe terem tirado um quisto que obstruía a aorta (ou seria a aorta que obstruía a vértebra?). Enfim, está no hospital há um ano. Ao fundo, a D. Aurora tosse convulsivamente e abre os olhos para gritar pela Catarina, exigindo que se quer levantar imediatamente. Ninguém liga. Do outro lado, um homem forte recentemente operado ao coração, tenta ler um livro de pernas para o ar... Que estava eu ali a fazer? Só podia estar muito mal! Muito mal mesmo! Continuo sem sentir as pernas. A "coisa" começa a arder. A fome ataca violentamente. Explicam-me que não posso comer enquanto durar o efeito da anestesia. Aldrabo. Digo que já passou. Exijo uma sopinha. A enfermeira não vai nisso. A grande vantagem é que não preciso de ir ao WC. Estou algaliado com volta dupla, de saída e entrada, para lavar bem por dentro. Uma urina permanente que sai para um jarro com excelente cor de sangria rosé. Devo ter dormido umas horas. Acordo em sobressalto com a invasão de um grupo de médicos em visita guiada. Ficaram muito tempo ao lado da D. Rosália (a tal do osso na aorta). Quando chegaram ao pé de mim, um perguntou: "E este?". "Ah, esse foi uma recessão". Passaram por mim com absoluto desprezo, quase desdém. Foi aí que percebi que, afinal, talvez o meu caso não fosse muito grave...
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20 comments:
Nada grave e ainda rendeu uma crônica!
Melhor assim,né? Estou gostando de acompanhar, embora me dê um pouco de pânico essa coisa de hospital, ainda mais no momento que vivo, com o maridão,apenas acabando as sessões de radioterapias. abração,chica
Ótima crônica!
Beijos
que bom que a tua experiencia esta dando uma otima historia:))))voce é sempre formidavel:)))))
Então, meu caro Jorge, já não se lembra que se
> A "coisa" começa a arder.
A fome ataca violentamente. < ?
Um abração.
↓
Maravilha!
Texto enxuto, como sempre!
:o)
Chica: isso é bem pior, mas vai-se resolver. Temos sempre de ter sentido de humor. Ajuda a passar. As sinceras melhoras.
Como dizemos aqui : você estava se achando com um pé na cova e outro numa casca de banana .
Mauro: nunca me tinha visto nestas andanças!
Boa disposição sobre nós mesmos ajuda a passar as contingência de forma mais leve! Parabéns pela superioridade1
Beijinhos
Bom saber que não foi nada grave!!!
Bjs!!
É isso, Luísa. Superioridade e medo. Um cocktail explosivo :))
Ju: é chatinho no post-operatório, mas sobrevivemos. Beijos.
Myra: se estivesse ao pé de mim veria que sou muito queixinhas. Isto é o meu Muro das Lamentações.
Andanças nada agradáveis do pós operatório. Enfim...mas já passou:)
És um recessivo...
Ah-ah-ah... ainda tiveste tempo para conheceres as donas Rosália e Aurora!!!! O teu caso é mesmo único, não fosse o ataque de pânico!!!
Abracinhos
IsaMac
Recessivo e mal pago :))
Isa: é mundo a alucinante. Um Dr. House permanente.
Dr. House caiu como uma luva!
rsrsrs
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