12.7.07

CONTOS DA RIA - O SOL

Naquele dia sentia-me particularmente quente. Erupções desenvolviam-se em mim a uma velocidade estonteante. Todo eu explodia em átomos de fissão nuclear. Francamente não estava nada bem disposto!
Ultimamente era sempre assim. Longe iam os tempos em que as minhas explosões criavam planetas.
Mercúrio tinha sido um enorme erro. Demasiado perto... Magma permanente... Vida impossível
Depois tentei Vénus. Todo ele prata. Mas nada crescia. Não passa de um elemento decorativo na minha órbita.
A terra sim! Nem muito quente, nem muito frio. Uma atmosfera magnífica. Uma gravidade perfeita. Uma órbita ideal.
O planeta azul deu-me grandes alegrias. Vi brotar água. Nascer plantas. Vi seres que saíram do mar. Seres que em breve caminhavam pelas densas florestas tropicais. Vi finalmente humanos. Seres que falavam, sorriam, escreviam… Seres que me divinizavam, que me idolatravam. Eu era o seu Deus. O seu único Deus!

Os seres humanos multiplicaram-se como cogumelos. Desenvolveram civilizações, cidades, impérios. Inventaram armas, fizeram guerras. Descobriram metais preciosos. Aprenderam a usar o petróleo. Criaram indústrias…
São seres estranhos. Com o passar dos milénios tornaram-se arrogantes. Cada vez me desprezam mais. Deixaram de me idolatrar. Criaram religiões humanistas feitas à imagem e semelhança deles próprios.
Agora eles são muitos milhões de milhões. Biliões de seres que tentam sobreviver. Destroem florestas. Devastam campos. Envenenam mares. Secam rios… Até conseguiram abrir um buraco no ozono!
E é precisamente por aí que eu espreito, lançando os meus raios ultra violeta em investigação curiosa.

Vejo as grandes nuvens brancas e continentes boiando num oceano muito azul. Vou descendo. Vejo desertos e florestas. Vejo montanhas imensas de cumes gelados. Mais perto vejo megapolis intensamente iluminadas. Mais perto ainda vejo praias de areia branca onde seres humanos se acumulam aos milhares. Aproximo-me mais. Vejo uma ria brilhante atravessada por pequenos barcos. Guarda-sóis abertos. Toalhas coloridas. Um comboiozinho que percorre incessantemente o sapal dourado. Vendedores de bolas de Berlim. Um pontão impaciente por se libertar. Homens, muitos homens, mergulhando no mar, jogando à bola, correndo no areal…
Expõe os seus corpos nus aos meus raios venenosos. Enfrentam-me sem receio. Admiro-lhes a coragem. Por momentos penso que me estão a adorar. Sinto saudades dos egípcios, dos astecas, de Zoroastro…
Desço mais e vejo então que não me rezam. Dormem ao Sol, untados de cremes para bronzear. Desprezam o meu poder. Ignoram o meu passado. Não querem saber do meu futuro.
São seres hedonistas. Perderam-me o respeito. Só pensam neles. Na sua beleza. No seu físico. No seu “look”.
Deixei de me interessar por aquela gente irreverente que me olha displicente de óculos escuros. É tempo de me vingar. Eu sou um astro perigoso. Crio vida, mas também mato.
Em breve a pele castanha que os enche de orgulho desenvolverá pequenos melanomas. Alguns sobreviverão. Outros nunca mais terão férias!
jp

1 comment:

Judia said...

Adorei este... :)