13.7.07

O GRANDE CHOCO

Entre a permanente ameaça de virar a levante e o receio do sudoeste a fustigar, discussões assanhadas sobre a quantidade de algas verdes na água, debates inflamados sobre e o mar está a 23 ou 24 graus, o pessoal vai chegando, paulatinamente, atravessando a Ria Formosa no barco do "almirante" Zé António.
Piadolas tipo "bloco de esquerda", entremeadas com bolas de Berlim e batatas fritas... Cacela ali à vista e o jantar tão longe!
A tribo vai aumentando. Todos os anos aparecem amigos dos amigos, conhecidos dos amigos, amigos desconhecidos... Agora ocupamos 300 metros quadrados de bom areal, com vista privilegiada para o mar. Guarda-sóis espalhados ao vento morno. Toalhas multicolores lançadas na areia branca. Dezenas de chanatas dispersas pelo horizonte azul.
De repente, o Roberto que jazia de borco com a queixada enfiada na areia, dá um brado atemorizador: "É pá, será que o guisado de chocos ficou apagado?"
Toda a tribo entrou em pânico. A dúvida instalou-se. Uns que sim. Outros não se queriam comprometer. Alguns sorriam, antecipando o fiasco culinário... A maioria não sabia.
Rápido e sem hesitações, o Roberto partiu célere convocando todos os barcos disponíveis que, de imediato, obedeceram ao chamamento. É esta capacidade de decisão que distingue os grandes homens, que os transforma em heróis... que os eleva a Mestres!
O Ico, sempre atento a qualquer movimentação da tribo, de imediato se lançou no encalço do Mestre, acompanhando-o a terra, atitude que lançou as maiores suspeitas em toda a gente.
Durante mais de uma hora, os comentários dividiram-se. Para uns coragem na acção. Para outros manobra de diversão em que o Mestre é perito, com evidentes intenções de encher o bandulho. A ida do Ico, com a sagacidade que se lhe reconhece, não auspiciava nada de bom. Alguns chegaram a temer pelo jantar.
Angustiado pelo desfecho, avanço ansiosamente para a margem da ria. Ao longe vejo a imponente figura do Mestre, destacando-se isolado à popa do barco conduzido pelo "almirante" Zé António.
Os seus olhos estão, porém, diferentes e a bonomia que deles emana espalha-se pelo grupo de passageiros de vários credos e línguas que O acompanham na travessia e que, só de O olhar, de imediato atingem o Nirvana.
Percebi então que o Mestre tinha entronizado no Grande Choco, título só protagonizado por poucos ao longo de gerações e gerações de Ria Formosa. Título que não se herda. Conquista-se!
Saúdo-o com o respeito que lhe é devido e, timidamente, de olhos baixos, solicito uma esmolinha de choco guisado, quando for possível...
Foi-me prometido lá mais para a noite, o que me deixa imediatamente num estado de beatitude tal que nem dou pela valente marretada que o "almirante" Zé António enfia numa estúpida chata mal estacionada.
Do outro lado da ria tinha ficado o Ico, de braços cruzados e sorriso irónico. Aos costumes disse nada, mas pareceu-me ver-lhe entre os dentes uma pernita de choco ainda mal deglutida. Ilusão? Imaginação?
Eu tenho fé no Grande Choco! E, por ter fé, por acreditar, sou contemplado com um "taparuwer" carregadinho de choco guisado que estou agora a despachar ao pequeno-almoço com uma de branco que descobri acantonada no frigorífico por trás da melancia, a ver se passava despercebida.
Viva o Grande Choco!!!
Texto jp (2003)
Foto Roberto Barbosa

4 comments:

maria antunes said...

Cá está "O Grande Choco". Já estava curiosa para ler este texto, e adorei. :)

clau said...

Como é bom ler estes textos, estes apontamentos de momentos reais.

Um muito obrigada por partilhar e nos fazer sorrir um pouco.

(costumo visitar, mas só hoje comentei..)

Manel Furtado said...

Grande Jorge,
Muito obrigado pela reedição escrita de um texto que para mim continua a ser uma litura no pátio das solteiras. As fotografias que meteste deram-me saudades e vontade de conversar horas a fio.
Rumo hoje a sul para os cenários encantados do GRANDE e TERNO CHOCO.
Um grande abraço e saudades,

Jorge Pinheiro said...

Boas férias ao pessoal da Fábrica. Tenho pena de não ir este ano.
Abraços.