30.7.07

REYNO DOS ALGARVES

Em 1495, aquando da morte de D. João II, Garcia de Resende escreveu: "Faleceu El Rey fora de Portugal, no Reyno do Algarve, em Alvor".
Desde a sua conquista definitiva (em 1250, por Afonso III) até meados do séc. XVI, o Algarve teve, de facto, um estatuto de autonomia. Os reis passaram a denominar-se Rey de Portugal e dos Algarves!
Os habitantes do Algarve tinham plena consciência de pertencer a outro reino. Veja-se "A Cruz de Portugal" assinalando a estrada que de Silves vai para Portugal; a Rua de Portugal em Loulé; ou a Rua da Porta de Portugal em Lagos.
O Algarve era um reino próspero. Em 1450 é fundada a companhia Lagos/Arguim, a primeira companhia ultramarina da Europa Ocidental, dedicada ao comércio de ouro e escravos.
É neste reino, cultural e economicamente desenvolvido, que surgem os primeiros nautas portugueses. Diogo de Silves que, em 1427, ensaia a "volta pelo largo", rota que viria a abrir caminho para o Índico e para o Brasil; Gil Eanes, o homem que mais padrões espetou por essa África abaixo; Álvaro de Caminha de Sotto Mayor, que descobriu a ilha de S. Tomé; Vicente Dias e Lançarote de Lagos...
O conhecimento da navegação já existente nesta zona terá sido o motivo principal da vinda do Infante (a par com a proximidade de Marrocos, então chamada Tingitânia). E, simultâneamente, a sua vinda deu ainda maior importância ao Reyno do Algarve.
Após a sua morte, em 1460, Lagos perdeu a gestão das feitorias africanas da costa atlântica. Começa o movimento de centralização do poder em Lisboa, culminado com D. João II, implacável adversário das autonomias (azar: morreu em Alvor!)
Tavira resistiu mais uns decénios, até à decisão régia de abandonar as praças de Marrocos, em 1541 (D. João III).
O Algarve ficou entregue à pirataria e ao contrabando, começando a desenhar-se uma situação de verdadeira insularidade.
Perdeu-se a urbanidade existente. A população começa a dispersar-se, com fragmentação dos concelhos e regressão ao ruralismo. A partir de 1635 inicia-se a metódica perseguição da Inquisição, com incidência muito especial sobre os comerciantes, acusados de judaísmo.
O vazio e miséria instalam-se. D. Luís da Cunha chega mesmo a propôr a D. José I a alienação do Algarve em troca de terras na América!
O Algarve passa de reino a colónia. Há inúmeras revoltas populares, algumas de grande violência, e iniciam-se fortes movimentos migratórios para os Açores e Madeira (daí vem a pronúncia daquelas gentes e, quiçá, o anseio autonómico).
Só a partir de 1850 se começa a esboçar uma ligeira recuperação económica que se estende pelo séc. XX e já aqui referenciada a propósito do significado das platibandas. Mas a crise de 1929 não perdoa. Falências sobre falências derrotaram esta tímida recuperação.
É um Algarve moribundo e quase abandonado que recebe as primeiras vagas de turismo dos anos sessenta. É neste Algarve, doente e esquecido durante séculos, que hoje vamos a banhos. Esse Al-Gharb dos poetas árabes e dos nautas portugueses. Esse reino mirífico agora povoado por ingleses e alemães, sobrelotado de resorts de três estrelas. Esse paraíso ocidental que é hoje marca registada: Allgarve!
jp

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