Há em Oeiras uma lenda que remonta ao tempo de Gomes Freire de Andrade, esse irrequieto aventureiro maçon. Com efeito, em 1817 o General Andrade viria a sofrer um ligeiro acidente no Forte de S. Julião da Barra, aqui no extremo oeste do concelho. Depois de mais uma banal tentativa de golpe de estado, o abominável marechal inglês Beresford, que então governava o país na ausência de D. João VI, em fuga napoleónica, levou a coisa a mal e o nosso general Gomes Freire foi ali (no forte) enforcado, estripado e esquartejado, antes de ser desmembrado, queimado e, finalmente, as cinzas serem lançadas ao mar. Enquanto morria (a lenda não é precisa quanto ao exacto momento, ficando a dúvida se na fase de enforcamento, do estripamento ou, apenas, aquando do desmembramento) o general terá proferido uma praga que não mais cessaria de ensombrar esta vila: "Em Oeiras nunca nada há-de vingar. Nunca há-de haver desenvolvimento. O comércio morrerá para sempre". Releve-se, por um lado o carácter prático e estrictamente comercial da maldição que em nada abona o ideário maçónico; por outro, a complexidade e o tempo que a frase terá demorado a proferir. Este último aspecto reconduz-nos, novamente, ao momento da sua proclamação. Pessoalmente, acho que foi na fase do desmembramento. Na forca não dá jeito nenhum falar e o estripamento é muito doloroso, não permitindo a necessária concentração para frases tão elaboradas. O desmembramento afigura-se mais consentâneo com a racionalização envolvida e, ainda por cima, não afecta as cordas vocais.
Seja como fôr, foi esta lenda que a pequenita Priscila Denise procurou enfatizar nas feições boçais e diabolizantes da sua expressiva pintura que apela ao horror inominável e à tragédia indizível. A jovem artista, quiçá influenciada pelo "fauvismo", manifesta preocupações sociais traduzidas, de forma redutora, na textura encorpada do bigode e que nos remetem para um universo telúrico de raiz maniqueísta. Ouvida por "Expresso da Linha", a pequenita foi peremptória: "O senhor Gomes Freire é que é o Presidente da Câmara"!
Depois desta interpretação arrojada, recebemos do Gabinete do Sr. Presidente o seguinte esclarecimento que, mais uma vez, publicamos na íntegra ao abrigo da Lei do Blogue. A pequenita Priscila Denise vai buscar a sua arte ao imaginário colectivo do povo. A historicidade das lendas, não deixando de constituir uma base hermenêutica adequada para a compreensão do sentir das populações, não resiste a uma exegese mais aprofundada, se confrontada com a realidade dos factos. Efectivamente, Oeiras esteve quase dois séculos votada ao ostracismo, perdida numa modorra sub-urbana, de um quotidiano indigente e complexado. Porém, em apenas vinte anos, Oeiras passou a ser o concelho mais próspero e toda a Linha e o segundo do país em termos de PIB per capita.
Os Centros Comerciais e os hiper-mercados contam-se às dezenas. Os cinemas vendem as melhores pipocas de Portugal. Há pólos tecnológicos espalhados pelas searas novas e novas centralidades descentralizadas que esperam que alguém as centralize. As rotundas nunca foram tão redondas e a água do Tejo é aqui completamente molhada.
O centro da vila mantém-se deliberadamente numa inércia ominosa, enquadrado num plano estratégico-cultural apropriadamente designado "Maldição do Gomes" e que pretende recriar esses tempos de carência e isolamento, esperando-se que assim as memórias do povo se preservem e criando, simultâneamente, um novo conceito, o "turismo-zombie", já muito cobiçado pela vizinha Lisboa".
jp
4 comments:
Gostei principalmente do momento em que a maldição é pronunciada... É preciso muita força de vontade para que num momento de tanto sofrimento se consiga pronunciar sequer uma sílaba...!
Essa maldição não metia judeus pelo meio? E é verdade que está confinada ao centro histórico.
Isto parece aquelas cantoras de ópera que no quarto acto, enquanto morrem coitadinhas, cantam três árias seguidas com um vozeirão de fazer levantar o São Carlos.
Está provado que o General conseguiu fugir ao Sir, com o apoio da irmandade.
Foram mortos, isso sim, três personalidades locais, um Gomes, um Freire e um Andrade, para apaziguar os ingleses e dar notícia aos jornais. Os Generais nunca morrem!
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