5.9.07

MOSTRA INFANTIL - A MALDIÇÃO

Há em Oeiras uma lenda que remonta ao tempo de Gomes Freire de Andrade, esse irrequieto aventureiro maçon. Com efeito, em 1817 o General Andrade viria a sofrer um ligeiro acidente no Forte de S. Julião da Barra, aqui no extremo oeste do concelho. Depois de mais uma banal tentativa de golpe de estado, o abominável marechal inglês Beresford, que então governava o país na ausência de D. João VI, em fuga napoleónica, levou a coisa a mal e o nosso general Gomes Freire foi ali (no forte) enforcado, estripado e esquartejado, antes de ser desmembrado, queimado e, finalmente, as cinzas serem lançadas ao mar. Enquanto morria (a lenda não é precisa quanto ao exacto momento, ficando a dúvida se na fase de enforcamento, do estripamento ou, apenas, aquando do desmembramento) o general terá proferido uma praga que não mais cessaria de ensombrar esta vila: "Em Oeiras nunca nada há-de vingar. Nunca há-de haver desenvolvimento. O comércio morrerá para sempre". Releve-se, por um lado o carácter prático e estrictamente comercial da maldição que em nada abona o ideário maçónico; por outro, a complexidade e o tempo que a frase terá demorado a proferir. Este último aspecto reconduz-nos, novamente, ao momento da sua proclamação. Pessoalmente, acho que foi na fase do desmembramento. Na forca não dá jeito nenhum falar e o estripamento é muito doloroso, não permitindo a necessária concentração para frases tão elaboradas. O desmembramento afigura-se mais consentâneo com a racionalização envolvida e, ainda por cima, não afecta as cordas vocais.
Seja como fôr, foi esta lenda que a pequenita Priscila Denise procurou enfatizar nas feições boçais e diabolizantes da sua expressiva pintura que apela ao horror inominável e à tragédia indizível. A jovem artista, quiçá influenciada pelo "fauvismo", manifesta preocupações sociais traduzidas, de forma redutora, na textura encorpada do bigode e que nos remetem para um universo telúrico de raiz maniqueísta. Ouvida por "Expresso da Linha", a pequenita foi peremptória: "O senhor Gomes Freire é que é o Presidente da Câmara"!
Depois desta interpretação arrojada, recebemos do Gabinete do Sr. Presidente o seguinte esclarecimento que, mais uma vez, publicamos na íntegra ao abrigo da Lei do Blogue. A pequenita Priscila Denise vai buscar a sua arte ao imaginário colectivo do povo. A historicidade das lendas, não deixando de constituir uma base hermenêutica adequada para a compreensão do sentir das populações, não resiste a uma exegese mais aprofundada, se confrontada com a realidade dos factos. Efectivamente, Oeiras esteve quase dois séculos votada ao ostracismo, perdida numa modorra sub-urbana, de um quotidiano indigente e complexado. Porém, em apenas vinte anos, Oeiras passou a ser o concelho mais próspero e toda a Linha e o segundo do país em termos de PIB per capita.
Os Centros Comerciais e os hiper-mercados contam-se às dezenas. Os cinemas vendem as melhores pipocas de Portugal. Há pólos tecnológicos espalhados pelas searas novas e novas centralidades descentralizadas que esperam que alguém as centralize. As rotundas nunca foram tão redondas e a água do Tejo é aqui completamente molhada.
O centro da vila mantém-se deliberadamente numa inércia ominosa, enquadrado num plano estratégico-cultural apropriadamente designado "Maldição do Gomes" e que pretende recriar esses tempos de carência e isolamento, esperando-se que assim as memórias do povo se preservem e criando, simultâneamente, um novo conceito, o "turismo-zombie", já muito cobiçado pela vizinha Lisboa".
jp

4 comments:

clau said...

Gostei principalmente do momento em que a maldição é pronunciada... É preciso muita força de vontade para que num momento de tanto sofrimento se consiga pronunciar sequer uma sílaba...!

ortega said...

Essa maldição não metia judeus pelo meio? E é verdade que está confinada ao centro histórico.

Al Kantara said...

Isto parece aquelas cantoras de ópera que no quarto acto, enquanto morrem coitadinhas, cantam três árias seguidas com um vozeirão de fazer levantar o São Carlos.

Anonymous said...

Está provado que o General conseguiu fugir ao Sir, com o apoio da irmandade.
Foram mortos, isso sim, três personalidades locais, um Gomes, um Freire e um Andrade, para apaziguar os ingleses e dar notícia aos jornais. Os Generais nunca morrem!