1.3.08

FILMES DE LABREGOS

Roy Rodgers ou John Wayne andavam sempre impecavelmente barbeados e lavados. Não se sentia odor corporal, mesmo nas ocasiões mais difíceis. No vestir esmeravam-se e a moda dos cowboys acelerou a venda das "jeans". Falavam com uma notável fluidez que o argumento lhes propunha. Matavam com elegância e só em legítima defesa. O sangue era escasso e, normalmente, escorria para o outro lado da objectiva. As histórias eram mázitas, mas tinham um aconchego moral e um toque romântico que levava a lágrima ao canto do olho. Davam dos americanos uma ideia de inocência selvagem e heróica que nos fazia encher de sonhos e fantasias.
Os filmes americanos estão, agora, apostados em fazer rejuvenescer essa figura mítica do cowboy, mas numa lógica neo-realista. Há uns anos nasceu um novo sub-género: o "filme de labregos". Recentemente tem havido uma profusão: "O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford"; "There Will Be Blood"; "Este País não é para Velhos" (sendo certo que também não me pareceu que fosse para novos!).
O filme dos manos Cohen, porém, intelectualiza o género, elevando-o a um nível de abstracção quase puro. Nada interessa. Coisa nenhuma importa!
Tudo heróis emporcalhados e analfabetos. Gente embrutecida e empedernida, perdida em pradarias remotas, cujo único objectivo é alcançar o horizonte, atrás do qual vem outro horizonte... Os labregos estão por todo lado, não se distinguindo os bons dos maus, todos à mistura com mexicanos feios, porcos e maus. Matam-se uns aos outros, numa violência gratuita carregada de sangue que espirra para fora do écran e incentiva o espectador a trucidar o cão do vizinho, só por desfastio. O argumento é quase inexistente, sustentado em calíbres de bala, acidentes de carro, caçadeiras de canos cerrados e muito, muito deserto. Não se percebe porque andam uns atrás dos outros e o suspense é substituído pela certeza de que todos vão morrer. A dúvida é como... Passam metade do tempo coxos ou manetas, semi-estropiados tentando tirar balas do próprio corpo, numa coragem macroscópica digna da "Anatomia de Grey" ou do "Doctor House".
É assim o filme. Os irmãos Cohen, porém, na sua enorme sapiência, introduziram uma originalidade. Aqui o labrego-mor também é psicopata e tem um código comportamental que se subentende ser "A vida só é boa depois de extinta". Mata à base de garrafa de ar comprimido, uma inovação tecnológica que dá nova esperança aos doentes do Amadora-Sintra. A moral do filme é inexistente, nem interessa para nada. O labrego-mor acaba por ganhar, matando toda a gente, mas fica sem se saber porquê e para quê. A única hipótese de ganhar alguma coisa era, de facto, o Óscar. E foi o que aconteceu, depois da Academia ter sido sujeita a uma crise de identidade que as eleições americanas deixavam adivinhar: sempre diferentes, sempre iguais!
Não percam...
jp

3 comments:

Al Kantara said...

Ah mas o meu caro amigo não sabia que os Estados Unidos é mesmo um país de labregos ? Ou, pelo menos, onde o labrego tem vasta representação percentual, tanto no campo como na cidade e onde, apesar da sua reconhecida condição de labrego, pode chegar aos mais altos cargos governativos, sendo o actual presidente um exemplo paradigmático desta minha modesta contribuição para a compreensão do fenómeno.

ortega said...

...É uma revisitação do estilo "pulp fiction" mas sem o humor. Prácticamente não há "babes", nem "comic relief" só labregos machos com o cio.Tudo muito bem feito, soberbamente representado, fotografia de cortar a respiração. Arriscaria mesmo a catalogá-lo como um "gay movie".

Rafeiro Perfumado said...

Espera até ver o aspecto dos actores do filme bomba que aí vem, o 10.000 AC. Aquilo é depilação de fazer inveja ao José Castelo Branco!