Portugal dos anos 70 era um país chato, introvertido e mesquinho, mas simultaneamente ambíguo. A herança "Deus, Pátria e Família" podia ser uma vantagem para quem estivesse do outro lado do espelho. O "underground" não era visto como um perigo político em si mesmo. O regime preferia drogas a eventuais "desmandos democráticos"… e nós também!
Para nós, as pessoas dividiam-se em caretas e não caretas. Neste maniqueísmo simplista e redutor fundámos a nossa identidade. Heróis de nós próprios. Autistas da sociedade.
Só hoje percebo que éramos mais autênticos que os movimentos organizados. Só hoje compreendo porque sempre me estive borrifando para a política e para os políticos.
De qualquer forma admito que os nossos concertos, especialmente a partir de certa altura, começaram a ser frequentados por gente de esquerda. Da esquerda líquida obviamente e da esquerda dita intelectual também.
Admito mesmo que os concertos fossem "vigiados". Será que tínhamos ficha na P.I.D.E.? Como as nossas músicas, pelo menos até 1974, eram exclusivamente instrumentais, fico curioso em saber o que constaria dessas fichas. Um relatório completo em clave de sol? Uma cifra dos improvisos, não fossem estar criptografadas?… Nunca saberemos!
Pela calada da noite saíamos com baldes de plástico cheios de cola de farinha e posters maneiristas anunciando o próximo concerto. Colávamos em tudo o que era sítio, de Lisboa a Cascais. Não havia graffitis e o MRPP ainda não transformara as paredes na luta exclusiva do proletariado, o que nos deixava enorme espaço para "out-doors".
Havia coladores "profissionais" pagos a dez paus por noite e o apoio gratuito das tribos de Caxias, Paço D'Arcos e Parede. Nunca tivémos delegação em Carcavelos e em Oeiras havia muitas tribos, algumas inimigas.
Os cartazes eram fabulosos, inovadores… barroco-psicadélicos. O design era pelouro do Paulo e do Zé Maria que conseguiam interpretar melhor que ninguém o estilo " luso-progressivo".
Ainda hoje guardo fotolitos e esquissos dos “posters” mais representativos. As relíquias, aliás, são muitas: cartazes extralúcidos; fotos oxidadas de actuações ao vivo; entrevistas desbotadas nos principais jornais da época; as marimbas tribais que mandei vir das cataratas do Duque de Bragança, em Angola; a cuíca gigante importada directamente das matas do Maiombe, em Cabinda; cifras em guardanapos nojentos de vinho e letras avulsas em cadernos peganhosos de pudim flã; gravações inaudíveis em cassettes maradas; o velho kissange e a mística citarina.
Para nós, as pessoas dividiam-se em caretas e não caretas. Neste maniqueísmo simplista e redutor fundámos a nossa identidade. Heróis de nós próprios. Autistas da sociedade.
Só hoje percebo que éramos mais autênticos que os movimentos organizados. Só hoje compreendo porque sempre me estive borrifando para a política e para os políticos.
De qualquer forma admito que os nossos concertos, especialmente a partir de certa altura, começaram a ser frequentados por gente de esquerda. Da esquerda líquida obviamente e da esquerda dita intelectual também.
Admito mesmo que os concertos fossem "vigiados". Será que tínhamos ficha na P.I.D.E.? Como as nossas músicas, pelo menos até 1974, eram exclusivamente instrumentais, fico curioso em saber o que constaria dessas fichas. Um relatório completo em clave de sol? Uma cifra dos improvisos, não fossem estar criptografadas?… Nunca saberemos!
Pela calada da noite saíamos com baldes de plástico cheios de cola de farinha e posters maneiristas anunciando o próximo concerto. Colávamos em tudo o que era sítio, de Lisboa a Cascais. Não havia graffitis e o MRPP ainda não transformara as paredes na luta exclusiva do proletariado, o que nos deixava enorme espaço para "out-doors".
Havia coladores "profissionais" pagos a dez paus por noite e o apoio gratuito das tribos de Caxias, Paço D'Arcos e Parede. Nunca tivémos delegação em Carcavelos e em Oeiras havia muitas tribos, algumas inimigas.
Os cartazes eram fabulosos, inovadores… barroco-psicadélicos. O design era pelouro do Paulo e do Zé Maria que conseguiam interpretar melhor que ninguém o estilo " luso-progressivo".
Ainda hoje guardo fotolitos e esquissos dos “posters” mais representativos. As relíquias, aliás, são muitas: cartazes extralúcidos; fotos oxidadas de actuações ao vivo; entrevistas desbotadas nos principais jornais da época; as marimbas tribais que mandei vir das cataratas do Duque de Bragança, em Angola; a cuíca gigante importada directamente das matas do Maiombe, em Cabinda; cifras em guardanapos nojentos de vinho e letras avulsas em cadernos peganhosos de pudim flã; gravações inaudíveis em cassettes maradas; o velho kissange e a mística citarina.
jp
Cataz de José Maria Taveres Rosa.
Todas as Segundas-Feiras estou a publicar, on-line e em episódios, o meu livro "Filhos do Povo do Sul - Memórias de uma Banda Rock dos Anos 70". Quem quiser ver os posts anteriores pode ir aos "older posts".
4 comments:
Correcção histórica:o poster aqui reproduzido não é da autoria do Paulo mas sim do Zé Maria. Assim como o pelouro gráfico nunca foi da exclusividade do primeiro.
Correcções assumidas. A "exclusividade" é uma liberdade artística e não anda longe da verdade.
O estilo luso-progressivo, barroco-psicadélico ? Os historiadores de arte que não leiam isto, senão ainda temos de gramar com uma História de Arte revista e aumentada pelos efeitos da psilocibina no reino dos tripantes lusos...
Só lhes faria bem!
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