7.7.08

CRÓNICAS DO ANTI-CICLONE - A RECEPÇÃO

A recepção foi do melhor. A limousine praticamente não cabia na ilha, o que nos deu logo uma enorme sensação de insularidade. Afinal o carro não era para nós! Esperava um qualquer "Toy" do continente para cantar no encerramento das Sanjoaninas, as festas dedicadas a S. João.
Isto aqui é "um sempre em festa". Acabam as festas em louvor do Divino Espírito Santo, começam as Sanjoaninas, tudo entremeado a Bodos dominicais, casamentos e baptizados. Regatas constantes e muito foguetório. Tudo por entre nuvens de sinusite e reumático, devidamente embrulhadas no anti-ciclone. Por pouco não há tempo para trabalhar!
Sendo a insularidade um inegável estado de espírito, a verdade é que também pode ser prejudicial à saúde. Os ilhéus conhecem pequenos truques para minorar o problema. São as festas permanentes. As grotescas touradas à corda que invadem a ilha no propósito explícito de ver quem parte mais costelas. O constante prescrutar do horizonte em busca da sombra fugídia da Graciosa, de S. Jorge ou do Pico, numa angustiante busca de terra à vista que lhes garanta não estarem perdidos no mar-oceano. A utilização constante do tabaco, revelando tiques anxiolíticos que se espalham pela calçada rendilhada das ruas património-mundial. A comida é forte, como que em busca da quintessência gastronómica. Comida potente que empina as barrigas aos homens e engrandece gloriosamente as mulheres. A religiosidade fervorosa, feita de temor em vida e certeza na morte. Os vulcões estão por todo o lado lembrando a presença de um deus ameaçador e rancoroso. Os terramotos agitam as consciências numa fúria vingativa contra a invasão de um povoamento tardio. Talvez por isso os açoreanos só acreditem no Divino Espírito Santo, essa misteriosa 3ª Pessoa da Santíssima Trindade que tantas perplexidades tem suscitado no mundo da teologia. Aqui a empatia é total. Uma empatia feita de massa sovada e vinho de cheiro. Uma empatia que não carece de explicação. Vive-se. Aqui é o Império do Espírito Santo! O patriotismo é exacerbado. Um patriotismo que deu guarida o D. António, prior do Crato, quando já todo o reino tinha percebido as vantagens de ser espanhol. Um patriotismo que se mantém nos 15% de IVA, levados à conta de insularidade. Se nada disto der resultado, então o açoreano emigra e, lá longe, fica com eternas saudades deste penhasco vulcânico, mantendo as tradições, os costumes e a incompreensível pronúncia que fará deles, orgulhosamente, estrangeiros para toda a vida.
Angra do Heroísmo é a capital. Um ancoradouro no meio do oceano. Porto seguro para as naus da Índia e do Novo Mundo que aqui encontravam refúgio, reparação e abastecimento. Os homens descansavam, deixavam prole e riqueza. Daqui se descobriram novas terras. Daqui se alcançaram novos mundos. Na II Guerra Mundial os ingleses instalaram anti-aéreas e paóis subterrâneos. Agora as Lages falam americano, jogam golfe e comem hamburguers incendiados. O Iraque fica mais perto. No ar passam esquadrilhas em formação e aviões com destino a Guantanamo. Dizem que há instalações radioactivas na ilha. Ninguém sabe!
Tudo isto é a Terceira. História. Costumes. Lendas. Comidas exóticas. Florestas empolgantes. Paisagens deslumbrantes. Gentes acolhedoras. E mar, muito mar. Mar turquesa que nos espreita por todo o lado. Absolutamente imperdível!
jp

3 comments:

Silvares said...

Pela descrição é mesmo Portugal levado para o meio do mar. Pedaços da tal jangada de pedra...

Al Kantara said...

Então os açoreanos, nem com a enorme vantagem de morar longe conseguiram livrar-se do Toy ?...

Jorge Pinheiro said...

Silvares: uma jangada cheia de Espírito Santo e vacas leiteiras.
Al: é com cada Toy, vou-te contar!