A reflexão cristã levou a distinguir na obra de salvação duas faces complementares que se articulam entre si: uma ligada a Cristo; a outra ao Espírito Santo. Cristo é totalmente revelado na história. Houve olhos que o viram. Ouvidos que o ouviram. Mãos que o tocaram. O Espírito, pelo contrário, é absolutamente irrevelado. Age no seio dos corações sem ser conhecido em si mesmo. Para o crente, Cristo está "em frente" dele na sua objectividade histórica. O Espírito, esse, está nele. Cristo leva cada um de nós a tomar posição. A recebê-lo ou rejeitá-lo. O acolhimento dado ao Espírito Santo mantém-se um segredo de cada um de nós. O Espírito não está encerrado no "povo de Deus", mas pode estar presente no mundo pagão. A Igreja deve viver a sua fidelidade a Cristo na liberdade do Espírito. E o Espírito é como o vento que "sopra onde quer..., mas não sabes de onde vem nem para onde vai" (Jo. 3,8).
Uma coisa é certa: o Espírito veio para os Açores e veio com muita força. Provavelmente o anti-ciclone é manifestação desse "vento" irrequieto que nos faz acreditar. Na Terceira, a ilha de Jesus, o povo acredita e não precisa de explicações. O culto do Espírito Santo é intenso aqui. Celebrações da dádiva e do eterno em tempos de afirmação do individual e do efémero.
A origem imediata deste culto e dos festejos a ele associados remonta à Rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis (séc. XII). Conta a lenda que, estando em Alenquer, a rainha fez coroar um pobre durante a missa e ofereceu, de seguida, um lauto jantar a todos os pobres no paço real (o famoso "bodo aos pobres"), no que foi depois imitada por todos os nobres. Esta lenda informa a influência da ideologia espiritualista na religiosidade da época e que muito marcou a Rainha Santinha. Uma ideologia que preconizava a chegada de novos tempos, nomeadamente do tempo ou império do Espírito Santo e que foi muito difundida pelos franciscanos. Estes religiosos tiveram um papel muito relevante no povoamento dos Açores, assim contribuindo por espalhar a doutrina e as festas ao Santíssimo. Estas festas herdaram também muito de pagão, estando associadas aos ritos de Primavera, de renovação da terra e de fertilidade. Há exemplos no continente, em especial nos festejos do Penedo (Sintra) e nas festas dos Tabuleiros de Tomar.
As festas duram 8 semanas, da Páscoa a Pentecostes. A superstição e o medo da constante actividade telúrica, a insularidade e o isolamento contribuiram para a expansão do culto que constituia uma libertação da dureza do quotidiano. A dimensão religiosa é dada pela promessa feita ao Divino numa hora de incerteza e angústia. A esmola em louvor do Espírito Santo são actos de gratidão à divindade por graças recebidas. Por outro lado, ritualizava-se a dádiva, a partilha e a entre-ajuda, criando uma ligação entre o material o profano.
As festas são um complexo ritual em que os açoreanos encontram uma forma de reiterar os principais círculos familiares e de relacionamento social, através da linguagem alimentar da dádiva e da contra-dádiva e, simultaneamente, funcionaram, ao longo de séculos, como parte de um sistema de segurança social informal, garantindo subsistência aos mais desfavorecidos.
jp
6 comments:
Aqui no Brasil temos, principalmente em antigas cidades do interior paulista ( São Paulo ) e mineiro ( Minas Gerais ) as festas do "Divino" ( Espírito Santo ). Sem dúvida introduzidas pela colonização portuguesa.
E o pão com manteiga também...
Peri: sem dúvida levado daqui.
Rose: a menina porte-se bem!
Ah, ah
Rose, mas o spresso veio da Itália...
feito com o café que foi daqui, exatamente de São Paulo e Minas, onde o café tradicional é o de "coador"
Meu caro Jorge.
Mas está - quase completamente - fora de série. Já nem precisas de investigar! O conhecimento está, sólido, todo aí.
Percebeste, por certo que tens matéria para N publicações de base temática
Vou ficar à espera que visites Faial e Pico.
Obrigado, Antonião.
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