O nosso planeta devia chamar-se Água e não Terra. A água está em todo lado. Uma batata tem 80% de água. Uma vaca 74%. Um tomate 95%.
A água é um átomo de oxigénio maior ligado a dois átomos de hidrogénio mais pequenos. Cada molécula de água dança com outra molécula, emparelhando por breves instantes e depois passando a outra, numa quadrilha imparável em permanente alternância. Cada molécula muda de parceiro biliões de vezes por segundo. Uma verdadeira tempestade num copo de água! Assim se mantêm juntas, mas não tão fortemente ligadas que não se possam separar facilmente. Por isso podemos mergulhar ou nadar.
Existem 1,3 biliões de quilómetros cúbicos de água na Terra e nunca vamos ter muito mais do que isso. É um sistema fechado. Há 3,8 biliões de anos os oceanos tinham já atingido o volume actual. E, no entanto, apenas uma pequeníssima parte é potável. A água do mar tem cerca de 70 vezes mais sais do que podemos metabolizar. A sua ingestão pode provocar danos cerebrais irreparáveis e até a morte por paragem dos rins. A água que temos nas nossas moléculas tenta absorver o excesso de sal e entramos rapidamente em desidratação.
O reino da água é a hidroesfera e 97% de toda a água da Terra está nos mares. E, no entanto, pouco ou nada sabemos dele. Sabemos mais da superfície de Marte do que das profundezas do oceano. A 900 metros de profundidade a pressão é de 3 toneladas por centímetro quadrado, o que não facilita nada… A fossa das Marianas, no Pacífico, atinge 10 918 metros!
Ao que parece toda a vida nasceu na água, naquele oceano primordial que, há cerca de 3,8 biliões de anos, resolveu misturar-se com gases de metano, amónia e gases de sulfureto de hidrogénio da primitiva atmosfera e, talvez pelo impulso eléctrico de um relâmpago, criou um poderoso caldo de aminoácidos. Daqui surgiram organismos não-nucleados, as cianobactérias.
Durante 2 biliões de anos os organismos bacterianos eram os únicos seres vivos a existir. Viviam confortavelmente no caldo oceânico, não se arriscando a sair dele. As cianobactérias aprenderam a viver à custa de um recurso inesgotável que a água lhes proporcionava – o hidrogénio. Absorviam o hidrogénio das moléculas da água e libertavam o oxigénio. Inventaram a Fotossíntese, a invenção mais importante da história do planeta!
As cianobactérias proliferaram e o mundo encheu-se de oxigénio. Um universo anaeróbico, terrivelmente venenoso para todos os organismos que não usam aquele combustível. Ou seja, a libertação de oxigénio pelas cianobactérias ditou o fim da sua própria hegemonia.
A pouco e pouco apareceram organismos que aprenderam a usar oxigénio. O oxigénio era um meio mais eficiente de obter energia, vencendo todos os organismos competidores. Estes refugiaram-se nos pântanos e lagos. Alguns, muito mais tarde, acabariam por migrar para o aparelho digestivo de seres como o homem. Hoje, algumas dessas entidades primitivas vivem dentro de nós ajudando à digestão, mas continuando a abominar oxigénio.
Uma das razões porque a vida demorou tanto tempo a tornar-se mais complexa foi a necessidade de o mundo ter de esperar até os organismos mais simples oxigenassem suficientemente a atmosfera. Sem ele os organismos complexos não conseguiam reunir energia bastante para funcionar.
Assim, 2 biliões de anos depois, aparece subitamente um novo tipo de organismo, a mitrocôndia, que usa oxigénio de forma a libertar energia a partir das substâncias alimentares. Um passo engenhoso que nos libertou do lamaçal. O novo tipo de célula, conhecido por eucariota (“verdadeiramente nucleado”), constituiu uma revolução. A Terra passou a ter dois tipos de organismos: aqueles que expelem oxigénio (como as plantas) e os que o consomem (como nós).
Finalmente, cerca de um bilião de anos mais tarde, os eucariotas aprenderam um truque fascinante. Aprenderam a agrupar-se, transformando-se em seres multicelulares complexos. As plantas terão começado a colonizar áreas terrestres há 450 milhões de anos. 50 milhões de anos mais tarde os animais complexos, mas ainda diminutos, arriscaram sair da água. Há cerca 4 a 5 milhões de anos apareceram os hominídeos. O homo sapiens não tem mais de 200 mil anos… E hoje cá estamos nós no blogue! Curiosamente 70% do nosso corpo é água e 70% da superfície da Terra é, igualmente, água. Nostalgia? Atracção? Simples coincidência? A Terra devia, definitivamente, chamar-se Água.
Texto baseado em “Breve História de Quase Tudo” de Bill Bryson.
A água é um átomo de oxigénio maior ligado a dois átomos de hidrogénio mais pequenos. Cada molécula de água dança com outra molécula, emparelhando por breves instantes e depois passando a outra, numa quadrilha imparável em permanente alternância. Cada molécula muda de parceiro biliões de vezes por segundo. Uma verdadeira tempestade num copo de água! Assim se mantêm juntas, mas não tão fortemente ligadas que não se possam separar facilmente. Por isso podemos mergulhar ou nadar.
Existem 1,3 biliões de quilómetros cúbicos de água na Terra e nunca vamos ter muito mais do que isso. É um sistema fechado. Há 3,8 biliões de anos os oceanos tinham já atingido o volume actual. E, no entanto, apenas uma pequeníssima parte é potável. A água do mar tem cerca de 70 vezes mais sais do que podemos metabolizar. A sua ingestão pode provocar danos cerebrais irreparáveis e até a morte por paragem dos rins. A água que temos nas nossas moléculas tenta absorver o excesso de sal e entramos rapidamente em desidratação.
O reino da água é a hidroesfera e 97% de toda a água da Terra está nos mares. E, no entanto, pouco ou nada sabemos dele. Sabemos mais da superfície de Marte do que das profundezas do oceano. A 900 metros de profundidade a pressão é de 3 toneladas por centímetro quadrado, o que não facilita nada… A fossa das Marianas, no Pacífico, atinge 10 918 metros!
Ao que parece toda a vida nasceu na água, naquele oceano primordial que, há cerca de 3,8 biliões de anos, resolveu misturar-se com gases de metano, amónia e gases de sulfureto de hidrogénio da primitiva atmosfera e, talvez pelo impulso eléctrico de um relâmpago, criou um poderoso caldo de aminoácidos. Daqui surgiram organismos não-nucleados, as cianobactérias.
Durante 2 biliões de anos os organismos bacterianos eram os únicos seres vivos a existir. Viviam confortavelmente no caldo oceânico, não se arriscando a sair dele. As cianobactérias aprenderam a viver à custa de um recurso inesgotável que a água lhes proporcionava – o hidrogénio. Absorviam o hidrogénio das moléculas da água e libertavam o oxigénio. Inventaram a Fotossíntese, a invenção mais importante da história do planeta!
As cianobactérias proliferaram e o mundo encheu-se de oxigénio. Um universo anaeróbico, terrivelmente venenoso para todos os organismos que não usam aquele combustível. Ou seja, a libertação de oxigénio pelas cianobactérias ditou o fim da sua própria hegemonia.
A pouco e pouco apareceram organismos que aprenderam a usar oxigénio. O oxigénio era um meio mais eficiente de obter energia, vencendo todos os organismos competidores. Estes refugiaram-se nos pântanos e lagos. Alguns, muito mais tarde, acabariam por migrar para o aparelho digestivo de seres como o homem. Hoje, algumas dessas entidades primitivas vivem dentro de nós ajudando à digestão, mas continuando a abominar oxigénio.
Uma das razões porque a vida demorou tanto tempo a tornar-se mais complexa foi a necessidade de o mundo ter de esperar até os organismos mais simples oxigenassem suficientemente a atmosfera. Sem ele os organismos complexos não conseguiam reunir energia bastante para funcionar.
Assim, 2 biliões de anos depois, aparece subitamente um novo tipo de organismo, a mitrocôndia, que usa oxigénio de forma a libertar energia a partir das substâncias alimentares. Um passo engenhoso que nos libertou do lamaçal. O novo tipo de célula, conhecido por eucariota (“verdadeiramente nucleado”), constituiu uma revolução. A Terra passou a ter dois tipos de organismos: aqueles que expelem oxigénio (como as plantas) e os que o consomem (como nós).
Finalmente, cerca de um bilião de anos mais tarde, os eucariotas aprenderam um truque fascinante. Aprenderam a agrupar-se, transformando-se em seres multicelulares complexos. As plantas terão começado a colonizar áreas terrestres há 450 milhões de anos. 50 milhões de anos mais tarde os animais complexos, mas ainda diminutos, arriscaram sair da água. Há cerca 4 a 5 milhões de anos apareceram os hominídeos. O homo sapiens não tem mais de 200 mil anos… E hoje cá estamos nós no blogue! Curiosamente 70% do nosso corpo é água e 70% da superfície da Terra é, igualmente, água. Nostalgia? Atracção? Simples coincidência? A Terra devia, definitivamente, chamar-se Água.
Texto baseado em “Breve História de Quase Tudo” de Bill Bryson.
21 comments:
Oi parceiro!
Viva a água!
Pelo texto. Temos que cuidar bem dela, enquanto é tempo!
Forte abraço,
Ai ai quase nos afogamos em nos próprios.
Já tinha passado por cá mas ainda estavas no mergulho.
Grande post... quase que me afoguei em tantas letras. :)
Beijos e boas férias
Pois é, tens razão, nunca tinha pensado nisso. Quem terá dado o nome de terra à Terra? E Earth?Acho que ficaria esquisito dizer: "Houston, we have a problem. We have to get back on Water asap". Temos que voltar já prá água? Hum...
Que texto fantástico, oh expresso! Gostei muito.
Belo post.
A Terra chamaria Água se os peixes fossem os seres pensantes e dominantes da comunicação.
E a história seria outra. Por ex. não teríamos as Grandes Navegações . Talvez as Grandes Travessias, em caravelas com rodinhas e cheias de água até as bordas.
Ótimo olivro do Bill Bryson. Aliás não só esse. Ele é ótimo.
abraço
Nunca tinha pensado nisso. Realmente Água seria muito mais apropriado do que Terra!
Pelo que fica registado no teu post creio que Deus é capaz de ter escamas.
Lindo texto, informações essenciais.
Viva à água.
bjs.
JU Gioli
tanta letra... num post em agosto!
vou ali dar um mergulho e já venho.
concordo!
Esta é, digamos, a participação "institucional". Podia ter mais letras, mas algumas afogaram-se...
...em H2O
Boa...
Vamos respeitar quem tem um passado tão interessante!
Nós e a homenageada.
Um abraço.
Jorge, tão bonito que chega a ser poético: "Cada molécula de água dança com outra molécula, emparelhando por breves instantes e depois passando a outra, numa quadrilha imparável em permanente alternância.". Parabéns por abordar o tema com tanta propriedade a partir de tão respeitável referência.
Abraço.
Jorge, quantas informações interessantes sobre a origem da vida e a importância da água para o planeta Terra e para tudo e todos que a habitam. Concordo com você, seria mais coerente se o planeta se chamasse "Água".
Excelente post!
Abraços.
Um texto muito bem "Esgalhado" :-))
Começo a pensar que não me importava de ter a mesma percentagem corporal de água que tu ...nessa, os homens levam a melhor rsrs
Gostei da tua casa, já cá tenho vindo bater à porta.
Bom fim de semana
Beijos
Digamos que esse post foi praticamente um poético tratado científico. rsrs
O gato já caiu na água. Eu tardo, mas não falho. É que o dia de trabalho hoje foi longo e agitado.
VOCÊ tem razão!
Errei o link!!
Veja BOA LEITURA
onde bloquie a ÁGUA!!!
Foi um mal jeito!!!!!!
Parabéns Jorge, pelo sucesso da Tertúlia. Ótima a sua participação com informações absolutamente importantes a respeito do nosso bem mais precioso, a água! Também nunca havia pensado no nome do nosso planeta ...poderíamos ser ao invés de terráqueos, aquáqueos... aquáticos...
Bjs.
Obrigado a todos que tiveram a paciência de ler este texto. Senti que tinha de fazer uma intervenção mais "pesada". Prometo coisa mais divertida da próxima vez. Abraço a todos.
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