Em Novembro de 1971 iniciou-se a massificação do “jazz” em Portugal, até aí confinado ao Hot-Clube frequentado por elites do ”Portugal dos Pequeninos”.
Foi o ”I Festival Internacional de Cascais” pomposamente cognominado “Newport em Cascais”. Tudo se passou no Pavilhão Dramático e Desportivo, precisamente em Cascais, pela mão do Luís Villas Boas.
A multidão aderiu aos milhares. Alguns nem sabiam ao que iam. Irrelevante. Importante era marcar presença, poder dizer: “eu estive lá!”
Bancadas de cimento p`rá maralha. Cadeiras marcadas no ringue para a burguesia. Turba ululante, faminta de som, virgem de jazz. Feira de vaidades. Bigodes intelectuais de meia-idade. Golas altas “rive gauche”. Cachimbos de circunstância. Gravatas em fatos domingueiros. Madames prontas para “cocktail party”. Freaks para todos os gostos. “Queques da linha” expressamente disfarçados para o evento.
Cá fora, forte dispositivo: polícia emboscada em carrinhas de choque ansiosa por entrar na farra. Lá dentro cerveja e charros “very freely”. O regime desconfiava... Nós também não!
Hoje não se imagina quão difícil era ouvir música de qualidade internacional. Portugal não estava no mapa. Não existia!
Para além da Gulbenkian num registo muito específico, o resto era paisagem. Por isso o “Cascais Jazz” foi um impressionante sucesso... E não só por isso: a qualidade dos músicos era definitivamente absoluta!
Logo no primeiro ano, em 1971, apanhámos com “Miles Davis Septet”, que incluía, além do próprio, o Keith Jarrett, nas teclas. Seguia-se o “Ornette Coleman-Quartet”, no auge do seu “free-romântico”. O “Phill Woods and His European Rhythm Machine”, com o fabuloso baterista suiço Daniel Humair. E, para desenjoar, os chamados “Giants of Jazz”, uma espécie de “globetrotters” que incluíam Dizzy Gallespie, Thelonius Monk, Sonny Stitt e Art Blakey…!
Apenas por curiosidade, já morreram quase todos.
Em 1972 a avalancha continuou. “Cannonball Adderley Quintet” que integrava os manos Adderley e o George Duke. “Dave Brubeck Trio” com Gerry Mulligan incluído e que, obviamente, tocaram o fabuloso “Take Five”. “Jean-Luc Ponty Experience”, que se esqueceu de trazer os anunciados Stanley Clark e Tony Williams, mas que não deixou de ser uma lancinante experiência de alta frequência gritada pelo histérico violino eléctrico. Seguiu-se o “Elvin Jones Quartet”, um verdadeiro comando de operações especiais dos “drums” que fez explodir a bateria a níveis inimagináveis. Finalmente “Jimmy Smith and Friends”, com o seu órgão maravilha.
Tudo isto se passava num espírito de desorganização tipicamente jazzístico. Quem pagava as favas era o Luís Villas-Boas. Com aquele ar de elefante em loja de porcelana, sempre que aparecia para apresentar o próximo grupo ou para anunciar mais um dos frequentes atrasos, era vaiado até ao limite do ensurdecedor. Assobiar o Villas Boas tornou-se um “must” do Festival. Uma vez, perante o silêncio do público, o homem até perguntou: “Estão distraídos? Ninguém me assobia?”.
No fundo era o extravasar por tantos anos de silêncio. Era uma maneira muito portuguesa de lhe agradecer todo aquele êxtase. De facto, se alguém fez algo pela música, foi ele. O “Cascais Jazz” revolucionou o panorama musical português e contribuiu decisivamente para a construção de um novo espírito, nova mentalidade, maior abertura e, em última análise, mais democracia. Obrigado, Villas-Boas!
Foi o ”I Festival Internacional de Cascais” pomposamente cognominado “Newport em Cascais”. Tudo se passou no Pavilhão Dramático e Desportivo, precisamente em Cascais, pela mão do Luís Villas Boas.
A multidão aderiu aos milhares. Alguns nem sabiam ao que iam. Irrelevante. Importante era marcar presença, poder dizer: “eu estive lá!”
Bancadas de cimento p`rá maralha. Cadeiras marcadas no ringue para a burguesia. Turba ululante, faminta de som, virgem de jazz. Feira de vaidades. Bigodes intelectuais de meia-idade. Golas altas “rive gauche”. Cachimbos de circunstância. Gravatas em fatos domingueiros. Madames prontas para “cocktail party”. Freaks para todos os gostos. “Queques da linha” expressamente disfarçados para o evento.
Cá fora, forte dispositivo: polícia emboscada em carrinhas de choque ansiosa por entrar na farra. Lá dentro cerveja e charros “very freely”. O regime desconfiava... Nós também não!
Hoje não se imagina quão difícil era ouvir música de qualidade internacional. Portugal não estava no mapa. Não existia!
Para além da Gulbenkian num registo muito específico, o resto era paisagem. Por isso o “Cascais Jazz” foi um impressionante sucesso... E não só por isso: a qualidade dos músicos era definitivamente absoluta!
Logo no primeiro ano, em 1971, apanhámos com “Miles Davis Septet”, que incluía, além do próprio, o Keith Jarrett, nas teclas. Seguia-se o “Ornette Coleman-Quartet”, no auge do seu “free-romântico”. O “Phill Woods and His European Rhythm Machine”, com o fabuloso baterista suiço Daniel Humair. E, para desenjoar, os chamados “Giants of Jazz”, uma espécie de “globetrotters” que incluíam Dizzy Gallespie, Thelonius Monk, Sonny Stitt e Art Blakey…!
Apenas por curiosidade, já morreram quase todos.
Em 1972 a avalancha continuou. “Cannonball Adderley Quintet” que integrava os manos Adderley e o George Duke. “Dave Brubeck Trio” com Gerry Mulligan incluído e que, obviamente, tocaram o fabuloso “Take Five”. “Jean-Luc Ponty Experience”, que se esqueceu de trazer os anunciados Stanley Clark e Tony Williams, mas que não deixou de ser uma lancinante experiência de alta frequência gritada pelo histérico violino eléctrico. Seguiu-se o “Elvin Jones Quartet”, um verdadeiro comando de operações especiais dos “drums” que fez explodir a bateria a níveis inimagináveis. Finalmente “Jimmy Smith and Friends”, com o seu órgão maravilha.
Tudo isto se passava num espírito de desorganização tipicamente jazzístico. Quem pagava as favas era o Luís Villas-Boas. Com aquele ar de elefante em loja de porcelana, sempre que aparecia para apresentar o próximo grupo ou para anunciar mais um dos frequentes atrasos, era vaiado até ao limite do ensurdecedor. Assobiar o Villas Boas tornou-se um “must” do Festival. Uma vez, perante o silêncio do público, o homem até perguntou: “Estão distraídos? Ninguém me assobia?”.
No fundo era o extravasar por tantos anos de silêncio. Era uma maneira muito portuguesa de lhe agradecer todo aquele êxtase. De facto, se alguém fez algo pela música, foi ele. O “Cascais Jazz” revolucionou o panorama musical português e contribuiu decisivamente para a construção de um novo espírito, nova mentalidade, maior abertura e, em última análise, mais democracia. Obrigado, Villas-Boas!
jp
2 comments:
É das coisas que mais tenho pena na vida, foi de nunca ter assistido a nenhum Cascais Jazz. Era muito pita ainda...
Eu estive lá!Não digo a idade.Queen
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