30.9.08

PORQUE BLOGO

Eram duas da tarde. O Roberto entrou distribuindo cumprimentos a presentes e ausentes, a conhecidos e desconhecidos. A D. Elisa aplicou-lhe o avental registado com o seu nome. O avental que todos os dias o esperava para almoçar. O Roberto tinha tendência para as nódoas ou as nódoas, como tudo o resto, gostavam muito dele. Bem protegido, sentou-se com o Carlos na mesa do canto. Eu fiquei em frente. Veio o bacalhau com alho e muito azeite. Era Abril de 2007. O meu livro estava quase pronto. O Roberto fizera a foto da capa. Andávamos eufóricos. O lançamento era em Maio. As piadas sucediam-se à medida que o bacalhau avançava. O Roberto tinha um blogue desde 2004 ROB só com fotos de telemóvel e um título. Os alunos do IADE eram fãs. Eu também. A discussâo era inevitável. As elipses dos títulos... As metáforas das fotografias... Os comentários psicossomáticos... Naquele dia, entre duas postas de bacalhau e um jarro de tinto, obrigaram-me a ter um blogue. Foram eles, o Roberto e o Carlos, que discutiram o nome. Não tive voto na matéria. Por mais que resistisse nada havia a fazer. Estavam lançados. Eu havia de ter blogue! Voltei derrotado para casa, tirando lascas de bacalhau dos pontos mais recônditos da minha memória. Cheguei a casa e lá estava o blogue à minha espera. O telefone toca. O Carlos diz-me: "Introduz uma palavra passe". Já está. Tudo feito. A front page... Tudo! Foi só começar. E comecei por dizer que era um grifo planante. Uma espécie de linha editorial que me permitia andar por aí e falar de tudo, planando pelos locais e pelos assuntos mais variados, em pose diletante e esvoaçante.
Porque blogo? Não sei! Têm de perguntar ao Roberto e já morreu. Morreu logo a seguir, em Junho. Morreu sem querer e sem esperar pelo meu sucesso. Traidor! O que sei é que não mais parei de postar. De certa forma desvendo-me, entrego-me, numa psicanálise colectiva em que, diariamente, venço a minha timidez. Uma obrigação mental estimulante e que me diverte. Curiosamente, tem contribuído para aumentar a minha tolerância e a capacidade de compreensão de pontos de vista diferentes. Gosto de andar por aí no surf da ocasião. Ver outros mundos. Os mundos de outros. Os outros nos seus mundos. Não blogo por me sentir sozinho. Blogo para me sentir acompanhado.
jp
Este post insere-se no desafio do novo blogue do Eduardo "Post in Progress".
Na fotografia, Roberto Barbosa, no restaurante da D. Elisa. Foto de Inês.

13 comments:

Kay said...

beijo

roserouge said...

Jorge, o Roberto faleceu em Junho de 2007, não 2006.
Bjs.

Jorge Pinheiro said...

Corrigido, obrigado. A idade não perdoa... os amigos sim!

sodona.leide said...

o blog não será desde 2004?

=/

António P. said...

Belo texto Expresso.
E não és o único a blogar "por culpa" do Roberto.
Um abraço

Anonymous said...

Não conheci o Roberto, mas pelo que leio e vejo dele aqui postado pelo Jorge tenho uma grande admiração e respeito.

Forte abraço, Jorge e obrigado por participar e dar o link do POST IN PROGRESS. Já imaginou fazer uma coletânia de uma centena de histórias PORQUE BLOGO!
Mas o POVO anda sem tempo, e não esta faltando assunto...

Forte abraço

Jorge Pinheiro said...

Kay: pois é...
Eduardo: tem toda a razão. Ninguém ficava indiferente e era bom de conhecer. O "era" ainda me custa muito. Tb. acho que era uma excelente forma de se discutir a blogoesfera, saber a razão porque as pessoas blogam. Vamos esperar que não se intimidem...
António: tenho a certeza de que não fui o único. Obrigado elas palavras.
Sôdona e Rose: correcções sempre úteis. Confio na vossa atenção!

Alice Salles said...

"De certa forma desvendo-me, entrego-me, numa psicanálise colectiva em que, diariamente, venço a minha timidez." Posso roubar isso como citação para o meu post!?
Simplesmente linda história! :)

Jorge Pinheiro said...

Claro que sim, Alice. Obrigado por gostar.

Claire-Françoise Fressynet said...

Estar acompanhado é estar linkado e não delinquente.
Também vim cá parar pelo Rob via Luar
Beijo grande

Jorge Pinheiro said...

Claire: é a tua razão. Porque não tentas elaborar um pouco mais...

Claire-Françoise Fressynet said...

A Jul já me tinha dito para ser mais explicita nos comentários, e que me falta "perífrase", estando a fazer um "oximoro".

Fazer omeletes e comentários ao mesmo tempo é tramado.

-"A nível da prevenção da delinquência, o Moinho concretiza a "teoria do interligar".
De-linq-uência é falta de "link"".

http://moinhodajuventude.org/

Jorge Pinheiro said...

Claire: Agora sim, percebido. Omeletes de comentários não deve ser mau. Isso vai bem com salsa?