6.10.08

FILHOS DO DO POVO DO SUL - XXVIII

Sempre fora músico autodidata, um excelente eufemismo para expressar ódio ao solfejo.
Desde os treze anos que serrava presunto agarrado a uma viola “Ecco” de doze cordas com braço duro que nem bacalhau e cordas duplas que se enterravam nos dedos com vontade assassina. Nos intervalos dava pontapés nuns batuques africanos que, juntamente com tampas de panelas, integravam um magnífico “set” de bateria improvisada que nos permitia abandalhar “The House of the Rising Sun” e temas arrabichados dos “Bee Gees”. O grupo dava pelo extraordinário nome de “Bunnies”. Colegas de liceu a tocar em festinhas de garagem. Chegámos mesmo a ir ao concurso “Yé-Yé”, no Politeama, algures entre 1965 e 1966. Por manifesta falta de sorte fomos eliminados à primeira!
Quando cheguei ao “Ephedra” confrontei-me com outra realidade: maior exigência e músicos com alguma formação musical.
Enquanto foi só batucar, tudo bem. Com o “up grade” para vibrafone era indispensável aprender um mínimo de solfejo e a técnica básica para atacar o instrumento.
Naquele tempo não havia escolas de música ligeira ou de jazz em Portugal. Decidi frequentar o Conservatório Nacional de Música, no Bairro Alto.
Inscrevi-me em bateria de orquestra, única disciplina que contemplava o vibrafone. Era o único aluno do Professor Júlio Campos, percussionista da Orquestra Gulbenkian, homem calvo, magro e discreto, de paciência ilimitada. Ensinava-me tudo ao mesmo tempo: um pouco de solfejo; leitura de pautas; técnica de baquettes e muita, muita pachorra para contar os tempos mortos. É que um percussionista de orquestra pode estar 287 compassos à espera de fazer “pum” e 385 antes de atacar um “tasff”… mas se falha é a morte do artista.
Eu tinha enorme ileteracia musical, o que implicava decorar pautas de uma ponta à outra e depois tocar de memória. Ao fim de um ano tinha os fusíveis queimados e o Professor a paciência esgotada. Desisti!
Mas aprendi muito naquele sotão encantado repleto de magia rítmica. Aprendi a rufar a tarola; a ribombar os timpani; a vibrar o gongo; a fazer “dumpenning” no vibrafone; a abafar os pratos… Aprendi que ser músico dá muito trabalho!
Fotografia de José Maria Tavares Rosa
jp

9 comments:

Anonymous said...

Bom conhecer melhor sua biografia como músico!


Abçs e BOA SEMANA!...

Al Kantara said...

Por mais tempo que passe, a gente nunca se esquece de quem nos ensina a vibrar o gongo...

ortega said...

Tive ensaios de coro nesse sotão encantado do Conservatório,com vista para o rio e repleto de fantásticos instrumentos de percussão

Ví Leardi said...

Nesta foto,podias fazer par com Audrey Hepburn em sua inesquecível cena de "beat" em um night em Paris,no divino..."Cinderella em Paris" ...and "let your self get lost"...
;-}

Alice Salles said...

Oh e se da trabalho!

roserouge said...

Assim de repente, pareces quase o Stanley Kubrick. Em versão muito melhorada, claro!

Jorge Pinheiro said...

Vi: obrigado por me animar. Ando mesmo um pouco "lost", mas vai passar...
Rose: obrigado, presumo um elogio (na componente física, claro)
Alice: tb. toca?
Ortega: o meu amigo anda desaparecido! Pois, era um sítio espectacular. Agora já nem sei onde é o Conservatório.
Al: este gongo tinha mais de um metro de diâmetro. O que concluis daqui?
Eduardo: pois é. Fui da viola ao vibrafone, passando pela bateria e percussão e continuo a dizer que só sei que nada sei!

sodona.leide said...

o solfejo... credo!
ná paciência para isso.

Jorge Pinheiro said...

Sem solfejo não há música. Só ruído!