O burro tem sido uma das figuras mais esquecidas e desprezadas de todo o presépio. A vaca, os carneirinhos, até os camelos atingiram dimensão bíblica. O burro, porém, não passa de figura de estilo remetido a um silêncio hipócrita pelos exegetas do Novo Testamento, talvez por recearem comparações menos felizes com a sua própria inteligência.
Fomos encontrar o burro amargurado a retouçar um par de cenouras, tristonho e revoltado com este esquecimento evangélico. A entrevista foi rápida e esclarecedora.
“Em verdade vos digo. Fui eu que transportei a Senhora e José à urgência do hospital de Belém. Ela estava muito grávida há uma série de meses. Aquilo acontecera de repente. Os vizinhos diziam que ela concebera sem pecado e olhavam de lado para José. O pobre carpinteiro andava com a cabeça cada vez mais pesada e, em desespero, pregava pregos à toa em qualquer madeira que lhe aparecia à frente. Naquele dia de Agosto fazia um calor de rachar. O Natal já fora há muitos meses, A Senhora berrava. José, histérico, corria de um lado para o outro e só conseguia balbuciar “valha-me a Virgem Maria, valha-me a Virgem Maria”. O hospital fervilhava de agitação. Parei em contra mão. José corria desaustinado: “ai minha Virgem Maria, ai minha Virgem Maria”. À falta de melhor registaram a Senhora como Virgem Maria. O miúdo nasceu nas calmas. Veio logo a falar três línguas: aramaico, latim e grego clássico. Um sobredotado! Cá fora os familiares da Senhora estavam impedidos de entrar. Eram palestinianos. Um ainda se fez explodir de satisfação... José nunca mais foi o mesmo. O miúdo começou rapidamente a mandar lá em casa. A Senhora deixava-o fazer o queria. José não tinha mão nele. Ainda adolescente apanharam-no a andar sobre a água. Outra vez multiplicou os pães. Só disparates. Foi demais. Acabou internado num colégio Essénio. Pior não podia ter sido. A partir daí começou a falar na terceira pessoa e a pregar no deserto. Claro que as insolações não lhe fizeram nada bem. Um dia em que estava mais desidratado entrou num templo e atirou-se aos vendilhões. Partiu a loiça toda. O resto já todos sabem. O rapaz meteu-se na política e acabou mal. No Médio Oriente a política acaba sempre mal!”
O burro calou-se surpreendido por ter falado tanto. Lá atrás o presépio canta gloriosos hinos de louvor em alemão, entre estrelas prateadas made in Taiwan. Pessoas aos magotes sorriem a crédito na euforia das compras. É Natal para toda a gente. Só o burro sabe que não!
Fomos encontrar o burro amargurado a retouçar um par de cenouras, tristonho e revoltado com este esquecimento evangélico. A entrevista foi rápida e esclarecedora.
“Em verdade vos digo. Fui eu que transportei a Senhora e José à urgência do hospital de Belém. Ela estava muito grávida há uma série de meses. Aquilo acontecera de repente. Os vizinhos diziam que ela concebera sem pecado e olhavam de lado para José. O pobre carpinteiro andava com a cabeça cada vez mais pesada e, em desespero, pregava pregos à toa em qualquer madeira que lhe aparecia à frente. Naquele dia de Agosto fazia um calor de rachar. O Natal já fora há muitos meses, A Senhora berrava. José, histérico, corria de um lado para o outro e só conseguia balbuciar “valha-me a Virgem Maria, valha-me a Virgem Maria”. O hospital fervilhava de agitação. Parei em contra mão. José corria desaustinado: “ai minha Virgem Maria, ai minha Virgem Maria”. À falta de melhor registaram a Senhora como Virgem Maria. O miúdo nasceu nas calmas. Veio logo a falar três línguas: aramaico, latim e grego clássico. Um sobredotado! Cá fora os familiares da Senhora estavam impedidos de entrar. Eram palestinianos. Um ainda se fez explodir de satisfação... José nunca mais foi o mesmo. O miúdo começou rapidamente a mandar lá em casa. A Senhora deixava-o fazer o queria. José não tinha mão nele. Ainda adolescente apanharam-no a andar sobre a água. Outra vez multiplicou os pães. Só disparates. Foi demais. Acabou internado num colégio Essénio. Pior não podia ter sido. A partir daí começou a falar na terceira pessoa e a pregar no deserto. Claro que as insolações não lhe fizeram nada bem. Um dia em que estava mais desidratado entrou num templo e atirou-se aos vendilhões. Partiu a loiça toda. O resto já todos sabem. O rapaz meteu-se na política e acabou mal. No Médio Oriente a política acaba sempre mal!”
O burro calou-se surpreendido por ter falado tanto. Lá atrás o presépio canta gloriosos hinos de louvor em alemão, entre estrelas prateadas made in Taiwan. Pessoas aos magotes sorriem a crédito na euforia das compras. É Natal para toda a gente. Só o burro sabe que não!
jp
10 comments:
Desconfie dos que tem cara de burro. Em geral só tem cara!
Pobre é dos indivíduos burros com cara de espertos! A estes ninguém ensina nada!
Mais uma vez, um belo conto e relevante segredo desvendado!
"Antes burro que me carregue, que cavalo que me derrube".(Inês Pereira) Farsa de Inês Pereira - Gil Vicente.
Jorge ...genial.
Ouvi agora no telejornal que roubaram o burro do presépio de S. Braz de Alportel.Onde é que o encontraste? Tens que informar os "sambrazenses"! Eles estão aflictos com o roubo!
Aí temos o JORGE PINHEIRO no seu melhor !!!
2009 vai ser um Ano Bom, para o Jorge e seus leitores.
o burro sente-se inferior á vaca e aos camelos?
deve ser por isso que nao acredita que é Natal
O pior é o camelo...
;)
Melhor que isto só "A Vida de Brian", dos Monty Pyton!
Muito bom, Jorge!
Beijinhos grandes
Bela
Bela: olá!!!
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