Filho de um conhecido pianista e de uma harpista de renome, José Machado é o violinista da minha banda, os “Ephedra”. Só isso bastaria para o tornar famoso e de digno de admiração. Sucede, porém, que ele é também o Director do “Grupo de Música Contemporânea de Lisboa”, fundado por Jorge Peixinho e é, ainda, professor de violino no Conservatório Nacional.
Fomos encontrá-lo no seu atelier, envolto em raspadores, formões, serras de fita, limas, lixas, vernizes, colas e pincéis. Mestre Machado constrói os seus próprios violinos. Um artesão no seu mundo. Um mestre na sua arte.
Fazer um violino demora em média 200 horas, sem contar com a secagem dos vernizes. Um bom violino de um construtor italiano do princípio do séc. XX pode custar entre 40 a 60 mil euros. São os mais procurados, não só pela qualidade da construção, mas também porque já passaram 50 anos, o tempo mínimo para o violino atingir o nível requerido para atingir a maturidade sonora. As colas e vernizes secaram em absoluto. A madeira adquire patine. A acústica é optimizada. O instrumento ganha alma.
O tampo inferior do violino e o braço são de sicómoro (uma espécie de ácer). O tampo superior é de madeira de pícia. A madeira é escavada com formões até atingir a espessura ideal: 2,6 milímetros. Mais grosso fica mais resistente, mas reflecte-se negativamente no som. Mais fino torna o instrumento demasiado frágil, correndo o risco de rachar. As ilhargas são dobradas pacientemente com ferro quente até ganharem aquelas formas voluptuosas e sensuais que apetece afagar.
Depois vem a colagem das várias peças. Utilizam-se sempre colas naturais, podendo ser de origem vegetal ou animal. Resinas extraídas de árvores ou soluções obtidas através da fervura de ossos, pele e tendões de animais. O produto é, depois, dissolvido em álcool ou óleo de linho (semelhante ao usado na pintura a óleo). Finalmente vêm os vernizes. O primário é um verniz mole e incolor. Depois vem o verniz de acabamento, colorido e rijo, uma solução a partir do dammar ou mástique, gomas de origem vegetal.
Por último, o arco. As cerdas são de crina de cavalo. A vara é de madeira de Pernambuco do Brasil (uma variedade particularmente resistente de pau Brasil). O arco foi aperfeiçoado no final do séc. XVIII por François Tourte. A curvatura passou a ser concava, tipo mola, assim aguentando maior tensão e assim se diferenciando dos arcos de origem não europeia que são convexos.
O violino pertence à família dos instrumentos de cordas friccionadas. Dentro da família é o mais agudo, equiparando-se ao soprano na voz humana. A sua origem remonta à Índia Antiga. O Ravanastron e o Siringui, de duas cordas, seriam os seus antepassados. Passaram para o mundo árabe com três cordas. É o Rababe, antecedente directo da Rabeca Medieval, surgido no séc. X e igualmente com três cordas. O violino moderno, de quatro cordas, aparece no séc. XV/XVI e estabiliza com Stradivarius na forma actual.
É este o violino que Mestre Machado constrói diligentemente no seu atelier de Queijas. Como se vê, fazê-lo é fácil. O pior é tocá-lo!
jp
Fomos encontrá-lo no seu atelier, envolto em raspadores, formões, serras de fita, limas, lixas, vernizes, colas e pincéis. Mestre Machado constrói os seus próprios violinos. Um artesão no seu mundo. Um mestre na sua arte.
Fazer um violino demora em média 200 horas, sem contar com a secagem dos vernizes. Um bom violino de um construtor italiano do princípio do séc. XX pode custar entre 40 a 60 mil euros. São os mais procurados, não só pela qualidade da construção, mas também porque já passaram 50 anos, o tempo mínimo para o violino atingir o nível requerido para atingir a maturidade sonora. As colas e vernizes secaram em absoluto. A madeira adquire patine. A acústica é optimizada. O instrumento ganha alma.
O tampo inferior do violino e o braço são de sicómoro (uma espécie de ácer). O tampo superior é de madeira de pícia. A madeira é escavada com formões até atingir a espessura ideal: 2,6 milímetros. Mais grosso fica mais resistente, mas reflecte-se negativamente no som. Mais fino torna o instrumento demasiado frágil, correndo o risco de rachar. As ilhargas são dobradas pacientemente com ferro quente até ganharem aquelas formas voluptuosas e sensuais que apetece afagar.
Depois vem a colagem das várias peças. Utilizam-se sempre colas naturais, podendo ser de origem vegetal ou animal. Resinas extraídas de árvores ou soluções obtidas através da fervura de ossos, pele e tendões de animais. O produto é, depois, dissolvido em álcool ou óleo de linho (semelhante ao usado na pintura a óleo). Finalmente vêm os vernizes. O primário é um verniz mole e incolor. Depois vem o verniz de acabamento, colorido e rijo, uma solução a partir do dammar ou mástique, gomas de origem vegetal.
Por último, o arco. As cerdas são de crina de cavalo. A vara é de madeira de Pernambuco do Brasil (uma variedade particularmente resistente de pau Brasil). O arco foi aperfeiçoado no final do séc. XVIII por François Tourte. A curvatura passou a ser concava, tipo mola, assim aguentando maior tensão e assim se diferenciando dos arcos de origem não europeia que são convexos.
O violino pertence à família dos instrumentos de cordas friccionadas. Dentro da família é o mais agudo, equiparando-se ao soprano na voz humana. A sua origem remonta à Índia Antiga. O Ravanastron e o Siringui, de duas cordas, seriam os seus antepassados. Passaram para o mundo árabe com três cordas. É o Rababe, antecedente directo da Rabeca Medieval, surgido no séc. X e igualmente com três cordas. O violino moderno, de quatro cordas, aparece no séc. XV/XVI e estabiliza com Stradivarius na forma actual.
É este o violino que Mestre Machado constrói diligentemente no seu atelier de Queijas. Como se vê, fazê-lo é fácil. O pior é tocá-lo!
jp
12 comments:
Jorge que fascinante...não pude deixar de me lembrar de um dos filmes que muito me impressionaram...."O violino Vermelho"...Deixo aqui a sua história...se não viu e tiver oportunidade vá lá...um prazer...!
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Um violino pelo qual as pessoas pagariam qualquer preço. Um instrumento perfeito, que leva um segredo guardado a sete chaves. O Violino Vermelho carrega consigo paixão e obsessão através dos tempos, alterando para sempre a vida de quem o tocar.
A história começa na Montreal dos dias de hoje, onde um famoso violino será leiloado. O expert Charles Morritz é chamado para fazer as análises para comprovar a autenticidade e tentar desvendar o mistério em torno do instrumento, que praticamente teve sua trilha perdida pela História oficial ao longo de trezentos anos.
A pesquisa pela origem do instrumento remete à Cremona, na península itálica no século 17, quando o mestre artesão Nicolo Bussotti decide construir um violino para homenagear o nascimento de seu filho. Ele está decidido a fazer o melhor e mais afinado violino do mundo, mas precisa se apressar, pois a gravidez de sua esposa, Ana , está chegando ao final.
Ele tem certeza que o instrumento fará do filho um grande músico. Porém, seus sonhos terminam com a morte de sua esposa e da criança durante o parto. Ainda assim, Nicolo resolve prestar lhes uma última homenagem, e terminar de envernizar o violino vermelho. Tal deveria ultrapassar as barreiras da história, fazendo os sons entoados serem ouvidos por diversas gerações de músicos.
E assim o instrumento passa por um mosteiro na Áustria no século XVIII, pela Inglaterra do século XIX, pela China durante a Revolução Cultural até chegar finalmente ao Canadá. Música e cultura, política e paixão, história e até intriga nos bastidores do leilão acompanham a aventura do instrumento através dos tempos. A narrativa segue os passos do violino, e os personagens apresentados tem o instrumento em suas vidas como ponto em comum.
Ao longo dos tempos, o violino vermelho é enterrado, vendido, saqueado, penhorado e muitas vezes tocado maravilhosamente. Às vezes por jovens promessas, outras vezes por músicos maduros ou ciganos, sempre chama a atenção por sua coloração inusitada. Mas, além da sublime inspiração, uma terrível sina parece acompanhar seus possuidores.
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Extraordinária descrição. Não conheço o filme. Vou ver se encontro. Agradeço a sua paciência em contar a história que muito enriquece este post.
Jorge,
eu até iria ver o filme, mas depois da RESENHA da Ví, não verei para não estragar a linda história que ela contou!
Olhó Zé! Que fotogénico! Essa história da Ví é linda, também não vi esse filme. Mas é como se já tivesse visto...
Vi, eu vi esse filme absolutamente sublime que passou completamente ao lado de muita gente. (Não era americano...)
Felizmente, os violinos do Zé Machado não transportam consigo qualquer má-sina. Pelo contrário, se forem tão boa-onda como ele, só podem trazer alegria e felicidade...
Ó Al, o Natal já passou...
Sim, de facto o Zé não exactamente o Pai Natal, mas é boa onda.
Tá aí algo que eu nunca tocaria! Violino me parece a coisa mais difícil!
Zé se passares por aqui apanha um beijinho de tua admiradora.
E outro para ti Jorge que contas tão bem a magia destes segredos.
Alice: eu tb. nunca me ateveria. Cordas muito finas, braço muito curto... Tudo muito difícil!
Claire: obrigado. Vou passar a informação ao Zé que, como sabes, é das poucas pessoas que conheço sem telemóvel. Não é fácil de apanhar!
Realmente, depois desta descrição, vou estar atento a esse título. Quanto ao mestre Zé Machado, sem qualquer dúvida, uma boa onda do caraças! Um personagem que dá bom nome à espécie humana com idiossincrasias desconcertantes e deliciosas. Obrigado expresso e bom ano para todos!
Igualmente Astracan. Bom ano cheio de criatividade e coisas boas.
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