1.12.08

RESTAURAÇÃO - PROFECIAS DE BANDARRA

No dia 1 de Dezembro de 1640, um grupo de 40 fidalgos descontentes com a política fiscal de Filipe III, dirigiu-se ao Paço da Ribeira e prendeu a regente, Duquesa de Mântua (Margarida de Aústria), e assassinou-lhe o amante e secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos. D. João, duque de Bragança, ainda que hesitante, foi obrigado a ser rei de Portugal, inaugurando a quarta e última dinastia portuguesa.
Tudo isto fora já previsto por Gonçalo Anes, o Bandarra, profeta messiânico, natural de Trancoso, muito apreciado pelo Padre António Vieira e por Fernando Pessoa. O Bandarra é um misto de António Aleixo do “Quinto Império” e de Nostradamus do bucho. Sapateiro de profissão. Nasce talvez judeu por volta de 1500 e morre eventualmente cristão-novo em 1556.
Para se aquilatar da irrelevância do homem, basta dizer que, em 1540, Bandarra foi preso e levado para Lisboa. Após julgamento, a Mesa da Inquisição deu-lhe um castigo brando: abjurar solenemente as suas trovas. No entanto, foi tal o cagaço que o “profeta” nada mais disse até à morte. Bandarra é um epifenómeno regionalista de que outros se serviram para os fins mais obscuros…
D. João de Castro, o pai do “sebastianismo “ ortodoxo, editou a "Paráfrase e Concordância de Algumas Profecias de Bandarra", contendo as profecias rimadas do “profeta”, logo após o desastre de Álcacer Quibir (1578). O falecido rei ganhou fama de “encoberto”, aguardado ansiosamente por entre as brumas de Avalon. O “Quinto Império” começa a ganhar forma, especialmente por que era tudo muito encoberto, tudo profético, tudo irrealizável, enfim… tudo completamente português!
Por volta de 1630, as esperanças de “libertação” nacional convergiram na pessoa de D. João, Duque de Bragança, e as trovas de Bandarra passaram a ter uma interpretação brigantina. Os seguintes versos pareciam talhados à medida:

O rei novo é alevantado,
já dá brado,
já assoma a sua bandeira
contra a Grifa Parideira,
lagomeira,
que tais prados tem gostado.

Saia, saia esse Infante
bem andante!
O seu nome é Dom João!


Isto acomodava-se integralmente à Restauração: D. João era o rei “alevantado” (aclamado) e “Grifa Parideira” era a Casa de Habsburgo, conhecida pelos seus casamentos proveitosos. É claro que onde D. João de Castro tinha lido “Dom Foão” (ou seja, fulano), agora os restauradores liam “Dom João”!
A interpretação sebastianista do Encoberto cedia lugar à interpretação joanista, de que o Padre António Vieira foi um dos principais defensores.
Mas profeta é mesmo assim: para cada momento sua interpretação. Por isso, não espanta que ao longo do tempo tenham sido descobertas outras trovas verdadeiramente encobertas…
De facto, em 1815 aparece nova edição, Trovas Inéditas do Bandarra e em 1822 ou 1823, sai mais uma edição com o título "Verdade e Complemento das Profecias". A actualidade das trovas não podia ser maior:

Este sonho que sonhei
é verdade muito certa
que lá da ilha Encoberta
vos há-de chegar este Rei.


Para os liberais do séc. XIX, a ilha encoberta só podia ser o Brasil e de lá viria D. Pedro IV. Já para os “reaças” da Vila-Francada (1823), as trovas falavam do próprio D. João VI, igualmente vindo do Brasil. Como se vê, é para todos os gostos!
O Marquês de Pombal perseguiu as trovas, envolvendo-as na sua luta contra os Jesuítas e consequentemente contra as interpretações do Padre António Vieira.
Finalmente, Fernando Pessoa trouxe-o definitivamente para o “Quinto Império”, dando-lhe relevo na sua obra enigmática "Mensagem":

Sonhava, anónimo e disperso,
o Império por Deus mesmo visto,
confuso como o universo,
e plebeu como Jesus Cristo.

Não foi nem santo nem herói
mas Deus sagrou com Seu signal
este, cujo coração foi
não português, mas Portugal.

Eu desconfio de profetas. Vejam bem. Bandarra não previu o Estado Novo, o 25 de Abril, a entrada na UE… Nem sequer o caso BPN! Um homem do curto prazo ou, então, têm faltado “intérpretes” habilitados!
Aliás, a melhor profecia que fez, diz respeito a ele próprio:

Em dois sítios me achareis,
por desgraça, ou por ventura:
os ossos na sepultura,
a alma, nestes papeis
Texto baseado no meu livro "Turista Ocidental", com ligeiras actualizações.
jp

5 comments:

José Louro said...

Delicioso. Estou a estudar as dinastias com a minha filha. Momento solene para mim, porque nunca mais vou passar por isso, para ela é uma seca. Gosto mesmo muito de vir aqui.

Silvares said...

Profecias são mesmo aquilo que precisamos para dar forma aos nossos desejos. Para lhes dar forma de realidade, está bom de ver.

Jorge Pinheiro said...

José: ainda bem que agrada. As dinastias e a história são uma fonte de prazer para mim e aprende-se muito. A história está sempre a repetir-se embora com "nuances" diferentes.
Silvares: ser profeta deve ser fantástico. Ter o dom de dizer aquilo que outros poderão vir a desejar e que ainda não sabem que vão querer... é algo de brutal!

Anonymous said...

Então Portugal também teve o seu Nostradamus! Acho interessante as interpretações, "arranjadas" para se encaixar nos acontecimentos. As pessoas tem uma grande necessidade de messias e de profetas!

Jorge Pinheiro said...

Maria Augusta: é um facto universal...