23.1.09

AVENTURAS DE ARNALDO ROCHA - O ESTRANHO CASO DAS ABÓBORAS MENINAS

EPISÓDIO IV
No dia seguinte levantou-se pela fresquinha, disposto a tirar aquilo a limpo. Vestiu-se a rigor, sem esquecer a gabardina, embora a previsão de 40 graus não fizesse adivinhar chuva. Levou o equipamento indispensável: uma câmara de video; binóculos infra-vermelhos; o canivete suiço e a habitual Beretta.
Escondido dentro da casca de uma cucurbita-major-rotunda, prepara-se para esperar. As horas passam. Perto das onze, o calor quase o deixava em estado de coma. Ao meio-dia em ponto os canaviais agitam-se. Vindos do rio, dezenas de rapazes à beira da puberdade, com estranhos fatos às tiras e máscaras de madeira. Cada um transportava uma placa de xisto prateado que depositou no chão, ao Sol ardente. Depois, colocam uma abóbora-menina em cima da placa de xisto. Deixam-na subir aos 37 graus. Um corte rápido na tampa traseira. Correm para trás das moitas, num evidente ritual sexual de desfloração precoce.
Arnaldo saltou do esconderijo. Correu ágil. Apanhou em flagrante um violador menos experiente. Apontou-lhe a pistola. O rapaz despejou tudo... A montante do rio Liz mantinha-se irredutível uma tribo esquecida entre canas da Índia e sacos plásticos do “Supermarché”, chefiada por um velho coronel que se dizia descendente do troglodita Viriato.
Arnaldo obrigou o moço a conduzi-lo à aldeia perdida. Entraram numa chata abandonada e lá foram remando por esse rio acima, rodeados de coliformes fecais do tamanho de enguias e espumas borbulhantes de odor fatal. O rio ia-se fechando sobre si próprio. Freixos, salgueiros pendentes, eucaliptos monstruosos, figueiras retorcidas sugando o leito do rio. O Sol escondia-se no medo da obscuridade. Ao longe, avistam-se aldeias típicas em cimento cru, lusalite e chapa de zinco: Pouso, Arrabal, Caranguejeira, Espite... Subitamente, numa curva à direita, o rio torna-se brumoso. Na margem, fogueiras dispersas. Adivinha-se um clamor silencioso. O rapaz dirigiu a barca por um braço do rio. Na praia fluvial, centenas de jovens machos em tronco nu, máscaras de "caretos" e longos varapaus. Atrás, uma rocha escarpada. No alto, a estátua magestática do deus Endovélico, encimando uma escadaria tosca, ladeada por “porcas de Murça”, protegendo o altar sacrificial manchado em tons de cor de laranja.
Um coro estridente de gaitas de foles abriu alas. O coronel emergiu do nevoeiro. Cara pintada de azul e branco. Ao peito uma suástica flamejante. Cerrada pronúncia de Bijeu. Convidou Arnaldo para uma cabana palafita. “Xei que bieste p`ra me matar. Não tenho medo. A morte é uma xerteja… A bida uma dúbida” Tu, Arnaldo, éjs um amado pelojs deujes. Por ixo te respeito e te dou hojpitalidade. Maj que xabes tu dajs abóborajs? Nada! É o xolstíxio dos rapajes. Ali perdem a birgindade. É um ritual maijs belho cumundo. Só Deuje xabe. Eu xou apenaj um xaxerdote. Maj, em berdade te digo, p`ra quê mulherejs de perna longa. Ficam vem najs fotografiajs, maj na cama oqueque fajes a tanta perna?”
Arnaldo percebeu o ponto de vista. Deixou a tribo entregue ao seu destino e regressou escoltado por carpas artificiais produzidas em Taiwan e lampreias de borracha made in Coreia.
(continua na 3ª feira)
jp

2 comments:

jugioli said...

Emocionante aventura!!!
confesso que em algumas passagens eu precisei de um dicionário, mas deu para sentir o clima geral.

Pernas para que te quero!!!

bjs

JU

Jorge Pinheiro said...

Pois aqui fica mais difícil entender. Esta parte é sacada do "Apocalipse Now"...