Temos vindo a falar dos antecedentes das principais localidades da Linha de Cascais. Hoje é a vez de Carcavelos.
Carcavelos fica entalada entre Oeiras e Parede. É ali que o Tejo mergulha no oceano, junto aos penhascos do Forte de São Julião da Barra. Um praia a perder de vista (a maior de toda a Linha), com a Estrada Marginal logo atrás, povoada de restaurantes para todos os gostos e preços. O nome da terra virá de "Corcova"(do português vernáculo, fosso disfarçado ou caminho coberto). Em 1757, a aldeola tinha 72 fogos. Em 1940 havia 2000 almas, em 500 fogos. Hoje é fazer as contas...! A leste da praia o Forte de São Julião e a oeste o Forte do Junqueiro, hoje sem vestígios guerreiros e transformado no Sanatório Dr. José de Almeida, logo ali onde a povoação da Parede começa. A meio da praia a romântica ribeira das Marianas, hoje cloaca malcheirosa, esgoto infecto que continua a atrapalhar o turismo. Carcavelos sempre foi um lugarejo disperso de casas agrícolas assentes na encosta de Sâo Domingos de Rana, com arvoredo ralo e pobre. Em 1874 havia um pequeno núcleo de casas envolvendo a Igreja Matriz, numa praçazinha tipo aldeia que ainda hoje se mantém (é onde está o Café S. Jorge). A riqueza da terra sempre foi o vinho até vir a filoxera.
Toda a região de Carcavelos está retalhada em grandes fazendas: Quintas Nova, do Barão, da Alagoa, do Junqueiro, de Bela-Vista, das Palmeiras, da Torre da Agulha, do Paulo Jorge... O marquês de Pombal criou a marca oficial dos vinhois de Carcavelos, colocando-a ao nível do vinho do Porto e da Madeira. Os ingleses que nos vieram "ajudar" na Guerra Peninsular, contra as invasões Napoleónicas, por volta de 1800, ganharam o gosto ao vinho que substituía, na perfeição, o vício do Porto. Nessa época de prestígio a produção era de 3300 pipas por ano. Depois veio a filoxera que dizimou os vinhedos. Em 1867 a produção afundou-se para 12 pipas e estabilizou em 50, em 1875. Carcavelos perdeu o seu néctar. Os terrenos em breve seriam cearas e rapidamente passariam para a mão de construtores.
Porém, durante o século XIX, Carcavelos era hostil ao burguês modesto. Carcavelos era, então, aristocrática e estrangeirada. A Quinta Nova ou de Santo António, ocupando uma grande extensão em frente ao mar, atraíu a atenção da Companhia do Cabo Submarino Inglês, em 1872, e foi comprada pela fabulosa soma de 23 contos! Passou a ser conhecida como a Quinta dos Ingleses. Remodelou-se o palacete e fizeram umas construções amarelas, de gosto duvidoso, onde passaram a residir os técnicos da Companhia. Na praia amarrava o cabo da East Telegraph Co. Foi nessa quinta que fizeram a aparição em Portugal o golf, o foot-ball, o tennis, o rugby, o volley-ball, etc. Nos primeiros anos do séc. XX realizaram-se no actual campo do "Carcavelinhos" os primeiros jogos internacionais de futebol. Na praia os estrangeiros exibiam os seus corpos claros, musculados e ágeis, numa demonstração de modernidade que espantaria os saloios de Lisboa. Este cariz estrangeirado de Carcavelos manteve-se durante muitas décadas, ainda hoje lá existindo o Colégio Inglês. O colégio Alemão, que também lá esteve sedeado, mudou-se para Lisboa nos anos 50.
Carcavelos é hoje uma terra dividida entre quem lá vive e quem vai à praia. Uma praia de multidões a que aqueles ingleses hoje não iriam. Reconquistámos, assim, mais este pedaço de terra lusa. Hoje é surf e muitas esplanadas, óptimas para se ir no Inverno, na Primavera e no Outono. No Verão, só se fôr por causa da crise...!
Fonte: "Memórias da Linha de Cascais", de Branca de Gonta Colaço e Maria Archer.
jp
5 comments:
Obrigado. Até por esta dica dos azulejos...
Gostei de "os estrangeiros exibiam os seus corpos claros, musculados e ágeis". (um bocadinho gay...) Absolutamente em contraposição aos corpos tisnados, flácidos e cheios de reumatismo dos saloios autóctones...
Al: abes bem o que penso dos "bifes". Até prova em contrário...
hahaha os comentarios ainda são mais divertidos que o texto.
Carcavelos é também o berço do surf nacional...anos setenta do século passado mas não menos importante culturalmente...
Jah Bless
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