5.2.11

CABINDA - 3


Um palácio de madeira. Rectangular. Estacas delimitam o jardim interior. O perigo das cobras pretas é real
O cozinheiro matou uma ontem. Uma cobra pequena. Trinta centímetros de veneno puro. Mata em menos de um minuto. Passamos de uma sala para outra pela varanda exterior. Contorna todo o pátio. Uma varanda larga. Sombra constante. Cadeiras de palha e plantas exóticas. Um cheiro a madeira inesquecível. Um cheiro redondo. Doce. Um cheiro cinzento. Penetrante. Madeira selvagem que vem da mata grande. Pau rosa. Sicupira. Benje... Da varanda avista-se a cidade descendo suavemente até ao porto. Horizonte baço, bailando nas ondas de calor. Uma luz branca. Terrivelmente branca. Um sol intratável. Um calor que bate como uma muralha. Estão 40 graus à sombra. Das 11 à 15 horas ninguém sai à rua. Nem os pretos aguentam. A cidade pára. Os morcegos gigantes pendem das mangueiras no Largo Central. Dormem um sono letárgico. Ao fim da tarde voarão em bandos agoirentos até às recônditas cavernas das distantes montanhas do Congo. O meu quarto é no segundo andar. Frente à porta, dois sapos residentes exibem a barriga redonda e farta num coaxar protector. No tecto, dezenas de osgas vacilam tentando a refeição nocturna. Os mosquitos acordam cedo. São cinco da tarde e o Sol põe-se com uma rapidez de interruptor. O calor continua. Gin tónico, camarões e ostras. Há convidados para jantar. Há sempre convidados. Oficiais do exército e da marinha. O director do hospital. O chefe das Finanças. O homem da PIDE. Comerciantes abastados... Conversas cruzadas. Serviço colonial. Empregados pretos de farda branca. Uma guerra adiada. Saio depois de jantar. Cá fora os guardas de sentinela perfilam-se em continência. Voltarei muito tarde. Aventuro-me na noite tropical...
Nas fotos, a minha mãe na fachada da zona residencial e o meu pai na escadaria principal..
(continua)

6 comments:

daga said...

saudades do teu pai...
a "minha África" não tinha 40 graus à sombra, mas cobras que matavam, sapos que coaxavam, osgas que deslizavam pelas paredes e tectos e morgegos que esvoaçavam! Mas não havia convidados para jantar ;)
as tuas palavras são mágicas: "um cheiro redondo" ...
beijos

Anonymous said...

Ótimas imagens, e texto ainda melhor!

Mena G said...

Estou seguindo, claro. Surpreende-me a cor das fotografias que julgava serem todas a preto e branco na altura. Depois reli-te... Slides!

Jorge Pinheiro said...

GRAÇA: ERA MESMO REDONDO. AINDA NÃO ME ESQUECI.
EDUARDO: TEM DE IR A ÁFRICA...
MENA: OS SLIDES FORAM A MINHA GRANDE PAIXÃO NA ÉPOCA. INFLUÊNCIA DO ROBERTO.

Li Ferreira Nhan said...

texto cheio de calor
como tudo lá.

(ainda tenho alguns parentes em Angola)

Claire-Françoise Fressynet said...

Heila tens o porte do papai!