12.3.11

GERAÇÕES À RASCA

1 – Hoje, 12 de Março, vai realizar-se uma grandiosa manifestação da “Geração à Rasca”. O nome é bom. Tem todos os ingredientes para passar bem na televisão. Tem hino e tudo. A manifestação, porém, está votada ao fracasso.

Primeiro, porque foi de tal forma anunciada e com tanta antecedência que “queimou” a surpresa. Eclipsou o impacto. Sobre ela já tudo foi dito. Escalpelizado. Esgotado. A manifestação acabou antes de começar. Amanhã é um mero ritual. Uma missa.
Em segundo lugar, as adesões foram tantas que a “manif” é um verdadeiro “albergue espanhol”. Partidos políticos; jornais; comentadores; cineastas; actores; intelectuais de todos os quadrantes… enfim, toda a gente “bem pensante” aderiu, comentou, falou, disse, exagerou, esgotou. Toda a gente quer estar presente, toda gente quer protestar, todos são contra, ninguém sabe o que quer.
Em terceiro lugar, o Senhor Presidente da República, decidiu também aderir. No discurso de tomada de posse resolveu apelar ao “sobressalto cívico”, colocando-se assim à cabeça da Geração Rasca e institucionalizando, definitivamente, a acção.
Finalmente, o fracasso é óbvio porque, na situação actual do país, nada há a fazer, em termos de política de curto prazo. Quem está verdadeiramente à rasca é toda a Europa.

2 – Mas a “manif”, para além de ineficaz, está dominada. Como todos sabemos (ou devíamos saber), a melhor forma de neutralizar um movimento ou uma manifestação é enquadrá-lo politicamente. Vem nos livros. As inúmeras adesões a que assistimos, institucionalizam o movimento. Esta é a forma que as democracias e os regimes têm de integrar as explosões cívicas. Há mesmo regimes que promovem, eles próprios, “manifs”, para servir de válvulas de escape, devidamente controladas. No caso da Geração à Rasca, podemos também, culpar o Facebook que, ao promover uma ampla publicidade, retirou qualquer elemento de surpresa ou de raiva à manifestação. Os jovens, os intelectuais, os políticos, os blogues, esgotaram-se em comentários on-line, muito antes do evento. Fica registado, mas dá em nada. A democracia ainda não é on-line.
Penso, mesmo, que o Governo estará muito contente com esta manifestação e só não adere formalmente, por manifesto pudor. Mas estará sobejamente representado pela Juventude Socialista, de forma a poder invocar a transversalidade do movimento. Ainda haveremos de ouvir Sócrates a afirmar que só não foi porque estava em Bruxelas.

3 – Por último, penso que os promotores (que ninguém sabe quem são) estão completamente equivocados. Por muita simpatia que me mereça a geração jovem, acho que as gerações seguintes estão muito mais à rasca. Se não vejamos.
A geração dos 35/50 anos tem filhos pequenos. Colégios, creches e alimentação para pagar. Encargos sociais. Prestações de todo o tipo. Uma casa à beira da hipoteca. Seguros. Impostos para todos os gostos. Um emprego em risco de insolvência. Cuidados de saúde cada vez mais caros. Ordenados a baixar. Em muitos casos, apoio aos pais ou avós, mais carenciados.
Pior é, ainda, a geração dos 60/70/80. Toda a vida fizeram descontos. Agora têm reformas de merda. Ainda lhes ameaçam cortar mais 10% até 2013. Os cuidados de saúde estão cada vez mais precários. A idade a avança. Filas no Centro de Saúde. Medicamentos cada vez mais caros. Ninguém lhes dá trabalho. Nem precário, nem recibo verde… a ponta de um corno. Não têm cursos, nem mestrados. São inúteis. Párias sociais. As novas tecnologias a atrapalhar. Não têm onde cair mortos. Em breve, nem o subsídio de funeral terão.

4 – A manifestação de hoje vai ser uma grande curtição. Charros e cervejolas. Música de pacotilha. Muita auto-comiseração. Bloco de Esquerda a rodos e Partido Comunista a martelo. Intelectuais do costume, dando entrevistas nos noticiários habituais. Comentários semanais. Idiotas mentais. Todos voltam para a casinha dos paizinhos, muito contentinhos e a crise gasta-se em juros de mora, na esperança dos amanhãs que cantam. Terão razão. Mas quem está muito à rasca não são eles.

Para quando uma manifestação de acamados, devidamente entubados pedindo pão por Deus?




7 comments:

Silvares said...

Concordo contigo no essencial. O meu primeiro impulso foi participar mas depressa desisti da ideia. Como dizes, quem está à rasca é a Europa. Eu acrescentaria que todo o nosso modo de vida está a desmoronar-se. Assistimos à "chinesisação" do mundo: mais trabalho, menos proveito e evaporização dos direitos sociais. Não é bonito de se ver, não senhor.

daga said...

eu sei que a pergunta é retórica, excelente para conclusão e para obrigar a reflectir sobre os que sofrem mesmo na pele a miséria e a fome e o abandono e não estarão provavelmente na manifestação...
beijos

Helena Oneto said...

Feroz na forma e lucido no fundo!
Mas é injusto dizer que "eles" não sabem o que querem.

António P. said...

Afinal estamos de acordo, Jorge :))

Silvares said...

Devia ter escrito "evaporação" e não "evaporizaçao"... ele há coisas!

Mas gostei de ver a manifestaçao pela TV. Fiquei até um pouco arrependido de não ter ido...

Jorge Pinheiro said...

Em jeito de reflexão final, já depois da manif, direi que, embora não retire uma vírgula ao que escrevi, tenho de admitir que foi impresionante. 200 000 em Lisboa é muito. E foi bastante mais apartidária do que pensei. Pena que não tenham feito isto à 3/4 anos. Agora pouco ou nada há a fazer. Seria importante que o próximo governo tivesse em conta esta manif e que fosse apoiadado por esta massa enorme. Acima de tudo, não se esqueçam de votar.

Anonymous said...

Só uma correcção: Há 3/4 anos e não à 3/4 anos.