Lembram-se daquelas reuniões em Bruxelas? O Edifício Berlaymont. Corredores infinitos. Funcionários impecavelmente vestidos. Francês com sotaque. Inglês com acento. Uma Babilónia de línguas. As senhoras eram suecas, dinamarquesas, alemãs. Todas muito loiras, com ar independente e activo. Os problemas do universo resolviam-se entre duas reuniões e um almoço na Grand Place. Moules mariniere com batatas fritas. Um frio civilizadamente europeu. Beethoven cantava heroicamente num fundo azul polvilhado de estrelas. Éramos jovens e a Europa tinha o mundo a seus pés. Tudo parecia resolver-se com mais um Regulamento ou mais uma Directiva. Os Fundos Comunitários corriam a jorros. Ninguém sabia de onde vinha o capital. Não interessava. Não era dinheiro. Afinal eram só euros. Saíamos de Lisboa manhã cedo. À noite já cá estávamos. Íamos em classe executiva nos aviões da falecida Sabena. Trazíamos chocolates e trufas “pour épater les burgeois”. Bruxelas era a capital da Europa. Uma cidade sem passaportes. Uma moeda única que não precisava de trocos. Passávamos ufanos pela fronteira exibindo o livre-trânsito comunitário. Ao lado, despeitados estrangeiros do resto mundo faziam filas para entrar na “fortaleza Europa”. Eram tempos sem crise. Tempos de abundância. De despesa afrodisíaca. Gastava-se dinheiro pelo prazer de gastar. Exibiam-se cartões de crédito em letras douradas. Pensava-se que a economia estava em permanente expansão. Que o crédito era ilimitado. Naquele tempo ninguém sabia o que era dívida soberana, nem onde ficavam as medidas de austeridade. A política era feita de demagogia e de promessas aliciantes. O povo queria ser enganado. Fazíamos todos parte do mesmo embuste. Uma utopia desmedida. Uma ilusão sem fronteiras. Eram tempos felizes. Lembram-se?
4.12.11
SER POLÍTICO - SAUDADES DA EUROPA
Lembram-se daquelas reuniões em Bruxelas? O Edifício Berlaymont. Corredores infinitos. Funcionários impecavelmente vestidos. Francês com sotaque. Inglês com acento. Uma Babilónia de línguas. As senhoras eram suecas, dinamarquesas, alemãs. Todas muito loiras, com ar independente e activo. Os problemas do universo resolviam-se entre duas reuniões e um almoço na Grand Place. Moules mariniere com batatas fritas. Um frio civilizadamente europeu. Beethoven cantava heroicamente num fundo azul polvilhado de estrelas. Éramos jovens e a Europa tinha o mundo a seus pés. Tudo parecia resolver-se com mais um Regulamento ou mais uma Directiva. Os Fundos Comunitários corriam a jorros. Ninguém sabia de onde vinha o capital. Não interessava. Não era dinheiro. Afinal eram só euros. Saíamos de Lisboa manhã cedo. À noite já cá estávamos. Íamos em classe executiva nos aviões da falecida Sabena. Trazíamos chocolates e trufas “pour épater les burgeois”. Bruxelas era a capital da Europa. Uma cidade sem passaportes. Uma moeda única que não precisava de trocos. Passávamos ufanos pela fronteira exibindo o livre-trânsito comunitário. Ao lado, despeitados estrangeiros do resto mundo faziam filas para entrar na “fortaleza Europa”. Eram tempos sem crise. Tempos de abundância. De despesa afrodisíaca. Gastava-se dinheiro pelo prazer de gastar. Exibiam-se cartões de crédito em letras douradas. Pensava-se que a economia estava em permanente expansão. Que o crédito era ilimitado. Naquele tempo ninguém sabia o que era dívida soberana, nem onde ficavam as medidas de austeridade. A política era feita de demagogia e de promessas aliciantes. O povo queria ser enganado. Fazíamos todos parte do mesmo embuste. Uma utopia desmedida. Uma ilusão sem fronteiras. Eram tempos felizes. Lembram-se?
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
9 comments:
Um texto à verdadeira altura do Jorge Pinheiro, dono de uma lucidez que falta a muitos altos responsáveis políticos, de um e de outro lado da bandeira estrelada.
Grande abraço.
Começei a frequentar esse mundo no novo século com o velho dinheiro. Uma descoberta ao contrário e 500 anos depois.
Gostei e me achei.
E por 3 vezes aí voltei.
E por 3 vezes senti-me como vc muito bem descreveu; uma despeitada e "muito amendrontada" estrangeira do resto mundo na fila para entrar na “fortaleza Europa”.
Me achei e gostei.
Esse ano voltei.
Entrei sem medo, com a felicidade e o orgulho típico dos turistas.
Me achei e estranhei.
Sempre me acho aí.
Estranhei a tristeza reinante e o troco; pela primeira vez retornei com troco, com euros.
Com crise, sem crise enquanto eu estiver com saúde continuarei a ir. Afinal é onde me acho bem.
texto de uma simplicidade genial!
Jorge como voce sabe descrever o que todos , todos aqueles que sabem pensar e ver, e sofrer, SENTEM!!!!
bjs
Ouvi falar! Não vivi!
como dizia o Vergílio Ferreira: "não tenho saudades do passado, tenho saudades do meu sonho..." - texto muito bonito, Jorge, como sempre :))
beijo
↓
Gostei do TEXTO,
mas gostei demais da citação de Virgílio Ferreira:
"Não tenho saudades do passado, tenho saudades do meu sonho."
:o)
Muito boa essa frase do Vergílio Ferreira, sintetisa perfeitamente o que sinto. Também vivi esse regabofe e não tenho problemas em admiti-lo.Gosto de utopias desmedidas e de ilusões sem fronteiras. O fato de não podermos manter o mesmo nível de despesísmo não invalida a continuidade do sonho de erguer Babel. Um dia havemos de nos vingar desse Deus ciumento que a está sempre a tentar demolir.
Ortega
Viva Jorge!
Estas no teu melhor!
Post a Comment