3.6.13

DEPOIS DA MORTE

E depois há outra coisa. Suponhamos, por mero exercício intelectual, que a gente morre mesmo. Coloca-se, então, aquela questão chata do enterro. Vem logo o cara da funerária com um data de opções.  Um catálogo de caixões em pinho, mogno, sicupira, pau de Cabinda... Os preços, os rebites, os dourados. O forro branco ou escalate. Entram coroas de assucenas que enjoam mortos e vivos. Mas a dúvida está em sermos queimados ou apenas apodrecidos. Aqueles dois dias de exposição pública são o resto da vida que nos dão. Um extra. Um bónus para curtir o derradeiro adeus com os amigos. Estamos ali para que nos toquem debaixo do paninho; digam, "coitadinho era bom rapaz"; "estava tão bem, ainda ontem o vi"; "ainda tinha tanto para dar"... Pois é,  mas temos de decidir rápido. Ou somos enterrados ou somos incinerados. No primeiro caso seremos venerados numa campa. Ficamos para lá à espera que as larvas acabem de limpar o tutano, por séculos e séculos, até, finalmente, podermos ser considerados um esqueleto digno de estudo. Mas são poucos a atingir esta fama. A maioria desfaz em pó. Nada que entusiasme muito. A hipótese de incineração, porém, mete medo ao susto. Exposição a altíssimas temperaturas. Entramos lá dentro. Para dentro de uma fornalha a mais de 1000 graus. Entramos vestidos e tudo. Sai uma massa cinzenta, pequenina, ainda quente, metida na urna dourada. Já não se distinguem as pernas, nem a cabeça, nada. O problema, depois, é o que fazer com ela. Deita-se ao mar? Espalha-se ao vento? Deixa-se ficar no armário ou debaixo da cama? Por cima da televisão? A verdade é que neste caso tem de se tomar uma iniciativa, no outro caso não, a natureza resolve. Mas o que ressalta e irrita é não haver mais alternativas comerciais. Sei lá, dar o corpo a comer aos leões. Atirá-lo aos jacarés. Comê-lo estufado com cebolas. Metê-lo no gelo por cinco mil anos. Despachá-lo para Marte. Assim a opção seria maior e o cliente não tinha tanta paranóia.

8 comments:

myra said...

incinera e joga no lixo:)))

Fatyly said...

Pois é...olha ri tanto que mal vejo as teclas...e caixões de pau de Cabinda? desconhecia por completo.

Há outra alternativa sim: o corpo ser doado ao Instituto de medecina legal para os estudantes poderem estudar. E as cócegas? e veres um perna num armário e o "berimbau noutro"? As mãos em forma de dizer adeus, etc...que tal?

Nãoooooooooooo eu não aguentaria tanta cócega, quero ser cremada e as cinzas sejam espalhadas junto das de "figuras públicas de preferência políticos" para fazer das minhas...

Brincar por brincar...este texto fez-me bem...só tu!

Xauuuuuuu vou agora aproveitar este calor fabuloso que segundo dizem é sol de pouca dura!

Claire-Françoise Fressynet said...

Papa pa minhoca ou papa pa leão não da igual? Mas como somos tantos mais é melhor cremar.
Com as cinzas podes tentar a ampulheta, sempre útil!

João Menéres said...

Durante anos e anos, mantive o desejo das minhas cinzas serem lançadas no mar em que tanto naveguei.
Como tive um enfarte há vinte e tantos anos atrás, achei prudente deixar de velejar.
E, agora, confesso humildemente, já a cremação me passou.
Ficarei um ou dois dias em exposição ( não ouvirei elogios ? ) e depois sigo para um T 16, em Agramonte, ali perto da Casa da Música.
Um jazigo não identificado, na área que pertence à Ordem de S. Francisco.

E, Luísa, escusas de vir dizer que só penso na morte, porque não é verdade.
Só penso na Vida !

Jorge Pinheiro said...

Tudo decidido! Eu estou a adiar.

João Menéres said...

Depende do que se adia !

daga said...

tu é que estás com paranóia da morte.... se não fosse ter vindo agora aqui, não tinha reparado que o post era diferente, só morte só morte...antes depois durante!
vai-te tratar ;)
beijo

Jorge Pinheiro said...

E ainda há Para Além.