24.1.17

COMIGO MESMO - XLIV


A rua dos meus avós era a Rua Conselheiro Abílio Beça, mais conhecida por Rua de Trás por contraposição à Rua Direita, ambas bifurcadas na Praça da Sé, em direcção à tutelar torre de menagem. Casa de três pisos e loja, paredes meias com a Câmara Municipal, a escassos cem metros do Museu Abade Baçal. Gravada no granito frontespício, a data abissal de 1783. O número da porta era o 61.
O meu avô Domingos, cidadão honorário de Zamora, vinha da raia com brilhozinho nos olhos sempre pontualmente às sete para jantar. A minha avó Olinda disfarçava e o pessoal tentava não ter conversas polémicas. Política nunca!
O meu avô Domingos era uma personagem incontornável. Levava-me a todo o lado no jipe da Guarda Fiscal de que era comandante. Percorríamos a fronteira. Entrávamos por Espanha sempre que nos apetecia comprar caramelos. A intimidade com os espanhóis é aqui total. A proximidade e a Guerra Civil de Espanha traçaram cumplicidades com o regime franquista, nem sempre totalmente saudáveis.
Depois do jantar a rua estalava de calor acumulado. Caminhada esforçada até ao "Café Leão", ali a 300 metros, na Praça da Sé. Saturação de tabaco. Bicas suadas. Conversas encaloradas. Eu era mostrado como um troféu. Que grande que ele está... Cada vez mais igual ao pai... Então sempre queres ser médico quando fores grande? Grande já eu era. Tinha 12 anos, porra! E, francamente, não tinha a mínima vontade de ser qualquer coisa. Queria era sair dali.

3 comments:

João Menéres said...

Conheço bem esse café com entrada pela Pç e pela rua.
Só não sei o nome dele...
Então só queria sair dali ?
Era muito o calor, não era ?

Jorge Pinheiro said...

Café Leão.

João Menéres said...

Ai era esse...