
7 da manhã... Ao fundo o som grave dos três pastores alemães do vizinho ladradando continuamente. Histéricos melros em pios estridentes. Pardais metralham sem parar. Rolas grasnam incessantemente por cima do telhado. Ao longe o uivo do comboio. Mais perto, o marulhar deslizante dos carros na Alameda... Fecho os olhos desesperadamente!

8 horas... Desisto! Tiro, finalmente, os tampões dos ouvidos. A coisa complica-se. Os cães ficam subitamente mais perto. Quase mordem. Os pássaros estão absolutamente insuportáveis. O trânsito contorna a minha cama. A betoneira das obras ao lado matraquilha-me a tola sem redenção. O despertador resolve associar-se e leva com toda a força! Das profundezas do cólon, a primeira cólica... Impossível continuar. Rendo-me. Abro os olhos... Visão zero. Tacteio meio cego até encontrar os óculos. Tento acertar nas babuchas que teimam em fugir dos pés.

Duas chapadas de água na tromba. A visão melhora. Começo a raciocinar devagarinho. Desço cambaleante. O cheiro ácido de distantes torradas ataca-me as narinas. Alguém se antecipou no pequeno-almoço. Porra! Murmuro um vago "b'dia" e fecho-me em copas para evitar males maiores. Executo gestos mecanizados e ataco o pão com doce. Engulo o café tipo remédio e corro a lavar os dentes. Pelo caminho, a primeira aspirina do dia. A bola de mercúrio dentro da cabeça começa a estabilizar.

A cólica ameaça. Consigo ainda arranhar a cara com a estúpida gilete... A coisa torna-se insuportável. Sento-me com frémito e ouço o som cavo, seguido da cascata com os despojos da véspera. Sensação de alívio. O Sol brilha... Os passarinhos parecem música...

Finalmente saio... Encapsulado e climatizado, aplico a primeira música do dia criteriosamente seleccionada. Notícias nunca. Ainda não estou preparado!

11 horas... Atinjo as Picoas. Evito apertos de mão e beijinhos matinais que me obrigariam a lavar cara e mãos... Há quem insista em usar perfumes e after-shaves!!!

Escapo-me sorrateiramente até à minha secretária. Tento manter o nariz inviolável. Apenas uma leve pitada agri-doce de cigarro mal apagado a que não consigo fugir.

Travo a habitual batalha com o termóstato do ar-condicionado. À terceira tentativa consigo silenciá-lo. Livre do ruído e da intempérie começo a pensar no almoço!

13,30... O suor atenuou já a estridência dos perfumes matinais. Suportável! Almoço com colegas. O pior é o barulho. Tampões em casa. Todos os dias me arrependo...

Máquinas maquiavélicas inventadas por sádicos completamente surdos tiram expressos sem parar, bufando como locomotivas. Empregados permanentemente suados enfernizam-se a destruir o material, na tentativa desesperada de desalojar bostas de café queimado. Outros, vingativos, atiram pratos e talheres como se nos quisessem agredir fisicamente. Comensais falam com voz de megafone... O ar-condicionado sibila perigosamente... O pipilar constante dos telemóveis... Não fora a fome e retirava com dignidade!

Depois do almoço quase tudo é suportável, menos trabalhar. Começa francamente a apetecer-me exercitar o tacto. As minhas colegas não estão disponíveis. Enfio uma água das Pedras por desfastio e outra aspirina, pelo sim, pelo não.

Subitamente a segunda vaga de cólicas. Nádegas apertadas, corro ao WC colectivo armado do primeiro jornal que encontro. Irrompo numa das casotas esperando que ninguém tenha mijado com o tampo da retrete para baixo. Tento ler as gordas do jornal... Nada a fazer. A temporização da luz está contra mim. Luta inglória. Sentado, calças em baixo, jornal numa mão e a outra gesticulando freneticamente por cima da cabeça, tentando estimular a célula fotoeléctica. Estafado, desisto! Começo a tentar escapulir-me...

Regresso novamente engarrafado. À chegada quase não registo sentidos. Um banho redentor. Poros abertos entro no quarto onde, finalmente,
alguém me desperta o sexto sentido.
(jp)
6 comments:
Dedicado a todos os "activos humanos"
agora já se pode dizer BOM DIA!
GOZA GOZA COM QUEM TRABALHA !!
então domongo não foi?
Ao sétimo dia descansei!
e ao oitavo também...
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