14.4.07

UM DIA COM SENTIDO

7 da manhã... Ao fundo o som grave dos três pastores alemães do vizinho ladradando continuamente. Histéricos melros em pios estridentes. Pardais metralham sem parar. Rolas grasnam incessantemente por cima do telhado. Ao longe o uivo do comboio. Mais perto, o marulhar deslizante dos carros na Alameda... Fecho os olhos desesperadamente!
8 horas... Desisto! Tiro, finalmente, os tampões dos ouvidos. A coisa complica-se. Os cães ficam subitamente mais perto. Quase mordem. Os pássaros estão absolutamente insuportáveis. O trânsito contorna a minha cama. A betoneira das obras ao lado matraquilha-me a tola sem redenção. O despertador resolve associar-se e leva com toda a força! Das profundezas do cólon, a primeira cólica... Impossível continuar. Rendo-me. Abro os olhos... Visão zero. Tacteio meio cego até encontrar os óculos. Tento acertar nas babuchas que teimam em fugir dos pés.
Duas chapadas de água na tromba. A visão melhora. Começo a raciocinar devagarinho. Desço cambaleante. O cheiro ácido de distantes torradas ataca-me as narinas. Alguém se antecipou no pequeno-almoço. Porra! Murmuro um vago "b'dia" e fecho-me em copas para evitar males maiores. Executo gestos mecanizados e ataco o pão com doce. Engulo o café tipo remédio e corro a lavar os dentes. Pelo caminho, a primeira aspirina do dia. A bola de mercúrio dentro da cabeça começa a estabilizar.


A cólica ameaça. Consigo ainda arranhar a cara com a estúpida gilete... A coisa torna-se insuportável. Sento-me com frémito e ouço o som cavo, seguido da cascata com os despojos da véspera. Sensação de alívio. O Sol brilha... Os passarinhos parecem música...



Finalmente saio... Encapsulado e climatizado, aplico a primeira música do dia criteriosamente seleccionada. Notícias nunca. Ainda não estou preparado!





11 horas... Atinjo as Picoas. Evito apertos de mão e beijinhos matinais que me obrigariam a lavar cara e mãos... Há quem insista em usar perfumes e after-shaves!!!





Escapo-me sorrateiramente até à minha secretária. Tento manter o nariz inviolável. Apenas uma leve pitada agri-doce de cigarro mal apagado a que não consigo fugir.






Travo a habitual batalha com o termóstato do ar-condicionado. À terceira tentativa consigo silenciá-lo. Livre do ruído e da intempérie começo a pensar no almoço!







13,30... O suor atenuou já a estridência dos perfumes matinais. Suportável! Almoço com colegas. O pior é o barulho. Tampões em casa. Todos os dias me arrependo...









Máquinas maquiavélicas inventadas por sádicos completamente surdos tiram expressos sem parar, bufando como locomotivas. Empregados permanentemente suados enfernizam-se a destruir o material, na tentativa desesperada de desalojar bostas de café queimado. Outros, vingativos, atiram pratos e talheres como se nos quisessem agredir fisicamente. Comensais falam com voz de megafone... O ar-condicionado sibila perigosamente... O pipilar constante dos telemóveis... Não fora a fome e retirava com dignidade!

Depois do almoço quase tudo é suportável, menos trabalhar. Começa francamente a apetecer-me exercitar o tacto. As minhas colegas não estão disponíveis. Enfio uma água das Pedras por desfastio e outra aspirina, pelo sim, pelo não.










Subitamente a segunda vaga de cólicas. Nádegas apertadas, corro ao WC colectivo armado do primeiro jornal que encontro. Irrompo numa das casotas esperando que ninguém tenha mijado com o tampo da retrete para baixo. Tento ler as gordas do jornal... Nada a fazer. A temporização da luz está contra mim. Luta inglória. Sentado, calças em baixo, jornal numa mão e a outra gesticulando freneticamente por cima da cabeça, tentando estimular a célula fotoeléctica. Estafado, desisto! Começo a tentar escapulir-me...


Regresso novamente engarrafado. À chegada quase não registo sentidos. Um banho redentor. Poros abertos entro no quarto onde, finalmente,
alguém me desperta o sexto sentido.
(jp)









6 comments:

Jorge Pinheiro said...

Dedicado a todos os "activos humanos"

rob said...

agora já se pode dizer BOM DIA!

Anonymous said...

GOZA GOZA COM QUEM TRABALHA !!

rob said...

então domongo não foi?

Jorge Pinheiro said...

Ao sétimo dia descansei!

rob said...

e ao oitavo também...