11.5.08

FILHOS DO POVO DO SUL II

Foi por essa altura, com 22 anos e precocemente casado, que compus a minha primeira música, que só não foi êxito por manifesta falta de promoção. "O Rapaz Extralúcido", nome que passaria a ser a minha alcunha de guerra, era uma tentativa de "tropicalismo lusitano" de raiz hipnótica, com 27 acordes e duas partes, uma em nove por oito e outra em sete por quatro, só para chatear. Foi feita depois de ouvir quatrocentas vezes seguidas o "Expresso 2222" do Gilberto Gil. Ainda hoje há dez pessoas que se lembram, embora nunca tenham percebido onde começa e acaba a melodia. Só eu sei… e tem dias!

Casei-me, não sei porquê… Mas será que alguém sabe? Deve ter sido do tempo, do modo ou da pedrada…!
Seja como for toda a tribo passou a ter mais um local para "indoor games".
Futuros famosos cantores e astrólogos actualmente na moda batiam-me à porta pela madrugada do meio-dia à procura da erva perdida na noite anterior ou talvez em busca da noite anterior perdida na erva.
Os "King Crimson" e os "Soft Machine" atacavam no vinil extralúcido das almofadas-sofá em espuma encarnada, sobrevoando a alcatifa castanho escuro, entre estantes de tijolos e balões japoneses em papel de arroz. Nos intervalos ouvia-se Miles Davis e Herbie Hancock, imenso Zappa e o "Athom Heart Mother" ou o "Ummuguma", dos "Pink Floyd", quando era preciso voar alto.
Um dia ouvi o "Cristal Silence" do Chick Corea e do Gary Burton e flipei no vibrafone. O vibrafone seria a minha paixão nos próximos anos.

As manhãs, por definição, não existiam. Mas as tardes eram de grande produção. Criava-se "erva" em vasos descomunais na varanda virada a sul. Sempre tive o chamado "dedo verde", mas nunca imaginei que fosse tão verde!
A dificuldade estava em adivinhar quais as plantas macho para as arrancar rapidamente antes que fecundassem as fêmeas, infestando as maconhas com indesejáveis sementes. É que a cannabis não é hermafrodita. Ainda hoje falho na sexualidade vegetal da planta!
Havia quem, desesperadamente, fritasse a folhanca verde dos machos precocemente arrancados em frigideiras ou quem fervesse chás marados que nos punham a vomitar como o caraças. Os bolos de haxe nunca foram especialidade da casa!
Era tanta a criação que um dia, vindo da estação de caminho de ferro, olhei, de longe, para aquele 6º andar da Torre D na moderna Nova Oeiras, e vi uma mancha verde que preenchia toda a varanda até ao tecto. Precipitei-me para casa cheio de angústia existencial, vendo Pides e GNR emboscados nos choupos da Alameda carregados de mandatos de captura e pastores alemães esfaimados. No dia seguinte toda a "erva" estava disfarçada com rosas de papel crepon, o que, diga-se de passagem, dava muito mais nas vistas mas descansava-me imenso a paranóia!
Foi assim que nasceu "a erva dos mortos", famosa pela sua pedrada gélida que nos dava um frio de morte e ataques cardíacos sucessivos e responsável por hoje nem vinho tinto beber.
jp
Na foto, a minha primeira casa em 1972.

4 comments:

Anonymous said...

Amigo Jorge

O seu discurso tem uma fluência incomum. Pelo que já tenho lido de si, não me restam dúvidas de que, um dia destes, num desses belos lugares que frequenta, a música do "Condor" irá ao seu encontro.É claro que já tenho colegas a pensar nisso ( os que me sugeriram essa ideia), mas algo me diz que não é deles que as notas virão. Se for necessário um retoque aqui, uma sílaba ali... Os professores deste país ficar-lhe-ão gratos!

Ví Leardi said...

Jorge parabéns pelo talento...obrigada pela visita e pelo link no Vísion... encantada vc ter me incluido nas tuas preferências, volte sempre...
Um abraço
Vi

Anonymous said...

Então já sei donde vinha aquela coisa que me baixava a tensão, dava suores frios e me fazia desmaiar! Aquilo eram ataques cardíacos? Mas continuo a gostar de vinho tinto...

Jorge Pinheiro said...

Luís Costa: vou tentar.
Ví: eu é que agradeço. O seu blogue é uma maravilha.
Roserouge: andavas muito desaparecido... Nada tenho contra o vinho tinto!