
Depois do terramoto de 1755 corriam, em Lisboa, as mais assustadoras predições. Os abalos que durante mais de um ano se sentiram, agravavam os maus augúrios que se espalhavam como o vento. Um ano decorrido sobre a tragédia, os boatos corriam funestos. Garantia-se nova calamidade para a passagem do aniversário do terramoto. Nas vésperas da data, autoridades tiveram de fechar a cidade, para impedir o exôdo total. Este ambiente era o ideal para o aparecimento dos arautos da desgraça, dos profetas do fim do mundo.
O jesuíta Gabriel Malagrida voltara do Brasil (Pará) com fama de santo. Pregava, de forma exaltada, novos cataclismos em castigo pelos pecados da nação. Esta visão escatológica opunha-se diametralmente à visão positivista de Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Conde de Oeiras (1759) e, depois, Marquês de Pombal (1759). Sebastião José passara a chefiar o governo de D. José I, logo após o terramoto. Defensor do poder absoluto e adepto da maçonaria, o Marquês de Pombal haveria de ser uma das figuras mais polémicas da história de Portugal. Para uns, o grande reformador e salvador da pátria; para outros, um despota ambicioso e sanguinário.
Em Outubro de 1756 saiu o folheto "Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto", de Malagrida, encumiasticamente apoiado pelo Santo Ofício e que circulou abundantemente por toda a Lisboa. Sebastião José considerou o folheto uma afronta pessoal e conseguiu desterrar o padre para Setúbal... Demasiado perto, como se verá!
Em Setúbal o padre ia recebendo um cortejo de fidalgos descontentes com o jugo que o Marquês ia impondo. Malagrida passava a ser a face pública de uma oposição que se escondia atrás as saias o padre, temerosa de represálias. As pregações de Malagrida tornaram-se fanaticamente anti-Pombal. Mas ele ia mais longe: se aos reis incumbe o destino dos povos, então D. José I era culpado do terramoto. Sobre este recairia a vingança divina.
A 3 de Setembro de 1758, Pombal aproveitou-se de um atentado (verdadeiro ou inventado?) contra o rei e ataca frontalmente os seus inimigos mais directos. O Duque de Aveiro, os Távoras e muitos outros nobres são incriminados, presos e torturados até confessarem tudo e mais qualquer coisa. Um ano depois eram executados no Rossio, num magnífico espectáculo que durou horas e foi muito frequentado. Uma execução à base de marretadas, com esmagamento dos membros e do tórax, para os "mais rebeldes"; garrote e roda para os menos importantes; e uma simples fervura para despachar os quase insignificantes! Na sequência, os jesuítas acabam por ser expulsos de todo o Império Português, ficando consolidado o poder absoluto de Pombal.
O padre Malagrida, porém, tinha despertado um ódio profundo a Sebastião José. Por isso não foi expulso. Considerado preso político, é encerrado nos calabouços do forte da Junqueira. Mantinha-se exaltadamente visionário, com os seus 70 anos arruinados por jejuns e vigílias. Ouvia vozes. Tinha alucinações. Falava com os anjos e com Jesus... Escrevia dislates incendiados pela imaginação desvairada. Sebastião José quis ver na demência blasfémia e fez do doente uma excelente presa para a Inquisição. Ele próprio, em pessoa, foi à secretaria do Santo Ofício delatar o padre por criminoso contra a fé, assinando Conde de Oeiras, como se um decreto régio fosse!
O julgamento, presidido pelo seu irmão, Paulo de Carvalho, foi rápido, não fosse o velho padre morrer, entretanto, de morte natural. A 21 de Setembro de 1761, nove meses depois, Malagrida, de mordaça na boca e com a fatal carocha, sinal da última pena, sai no auto-de-fé e é, misericordiosamente, queimado vivo, sem efusão de sangue, nos hipócritas termos da sentença, sendo, posteriormente, as suas cinzas deitadas ao vento.
Pombal celebrava, assim, a sua desforra sobre a Companhia de Jesus e, simultaneamente, colocava sobre a alçada secular um tribunal eclesiàstico que agora passava a matar por vontade régia e já não por meras questões de fé.
jp
3 comments:
As intrigas daquela época tornam as da política atual, completamente ingênuas e infantis!
Abçs
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