A 21 de Setembro de 1761 realiza-se em Lisboa um auto-de-fé em que é queimado o padre Gabriel Malagrida.
Depois do terramoto de 1755 corriam, em Lisboa, as mais assustadoras predições. Os abalos que durante mais de um ano se sentiram, agravavam os maus augúrios que se espalhavam como o vento. Um ano decorrido sobre a tragédia, os boatos corriam funestos. Garantia-se nova calamidade para a passagem do aniversário do terramoto. Nas vésperas da data, autoridades tiveram de fechar a cidade, para impedir o exôdo total. Este ambiente era o ideal para o aparecimento dos arautos da desgraça, dos profetas do fim do mundo.
O jesuíta Gabriel Malagrida voltara do Brasil (Pará) com fama de santo. Pregava, de forma exaltada, novos cataclismos em castigo pelos pecados da nação. Esta visão escatológica opunha-se diametralmente à visão positivista de Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Conde de Oeiras (1759) e, depois, Marquês de Pombal (1759). Sebastião José passara a chefiar o governo de D. José I, logo após o terramoto. Defensor do poder absoluto e adepto da maçonaria, o Marquês de Pombal haveria de ser uma das figuras mais polémicas da história de Portugal. Para uns, o grande reformador e salvador da pátria; para outros, um despota ambicioso e sanguinário.
Em Outubro de 1756 saiu o folheto "Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto", de Malagrida, encumiasticamente apoiado pelo Santo Ofício e que circulou abundantemente por toda a Lisboa. Sebastião José considerou o folheto uma afronta pessoal e conseguiu desterrar o padre para Setúbal... Demasiado perto, como se verá!
Em Setúbal o padre ia recebendo um cortejo de fidalgos descontentes com o jugo que o Marquês ia impondo. Malagrida passava a ser a face pública de uma oposição que se escondia atrás as saias o padre, temerosa de represálias. As pregações de Malagrida tornaram-se fanaticamente anti-Pombal. Mas ele ia mais longe: se aos reis incumbe o destino dos povos, então D. José I era culpado do terramoto. Sobre este recairia a vingança divina.
A 3 de Setembro de 1758, Pombal aproveitou-se de um atentado (verdadeiro ou inventado?) contra o rei e ataca frontalmente os seus inimigos mais directos. O Duque de Aveiro, os Távoras e muitos outros nobres são incriminados, presos e torturados até confessarem tudo e mais qualquer coisa. Um ano depois eram executados no Rossio, num magnífico espectáculo que durou horas e foi muito frequentado. Uma execução à base de marretadas, com esmagamento dos membros e do tórax, para os "mais rebeldes"; garrote e roda para os menos importantes; e uma simples fervura para despachar os quase insignificantes! Na sequência, os jesuítas acabam por ser expulsos de todo o Império Português, ficando consolidado o poder absoluto de Pombal.
O padre Malagrida, porém, tinha despertado um ódio profundo a Sebastião José. Por isso não foi expulso. Considerado preso político, é encerrado nos calabouços do forte da Junqueira. Mantinha-se exaltadamente visionário, com os seus 70 anos arruinados por jejuns e vigílias. Ouvia vozes. Tinha alucinações. Falava com os anjos e com Jesus... Escrevia dislates incendiados pela imaginação desvairada. Sebastião José quis ver na demência blasfémia e fez do doente uma excelente presa para a Inquisição. Ele próprio, em pessoa, foi à secretaria do Santo Ofício delatar o padre por criminoso contra a fé, assinando Conde de Oeiras, como se um decreto régio fosse!
O julgamento, presidido pelo seu irmão, Paulo de Carvalho, foi rápido, não fosse o velho padre morrer, entretanto, de morte natural. A 21 de Setembro de 1761, nove meses depois, Malagrida, de mordaça na boca e com a fatal carocha, sinal da última pena, sai no auto-de-fé e é, misericordiosamente, queimado vivo, sem efusão de sangue, nos hipócritas termos da sentença, sendo, posteriormente, as suas cinzas deitadas ao vento.
Pombal celebrava, assim, a sua desforra sobre a Companhia de Jesus e, simultaneamente, colocava sobre a alçada secular um tribunal eclesiàstico que agora passava a matar por vontade régia e já não por meras questões de fé.
jp
3 comments:
As intrigas daquela época tornam as da política atual, completamente ingênuas e infantis!
Abçs
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