29.10.08

JET LEG - PORTO DE GALINHAS

De Joboatão a Ipojuca em via semi-lenta rodeado de cana de açúcar permanente, você chega em Porto de Galinhas. Aqui onde havia operações secretas de descarga ilegal de escravos a que davam o nome de código “galinhas”, há agora uma multidão sem código que se amontoa no siri do arrecife. A escravatura no Brasil só foi totalmente abolida em 1888, já depois da independência, pela Princesa Isabel, através da Lei Áurea. Conta a lenda que os barcos aportavam com galinhas no convés e escravos agrilhoados ao monte no porão. Alguém saía gritando pelo povoado: “Hoje tem galinha nova no Porto”. Quem sabia o código vinha correndo se abastecer de “peças”* fresquinhas vindas de Angola e do Congo. A seguir eram distribuídas pelas roças distantes, onde os “senhores do engenho” dominavam a monocultura do açúcar. Depois da ocupação, os holandeses levaram a cana para as Antilhas, fazendo baixar o preço no consumidor europeu. A concorrência não dispensava mão-de-obra barata. Por isso a escravatura no Brasil foi abolida tão tarde. Mais uma vez, a culpa é dos holandeses!
Hoje já não há escravos. As galinhas, porém, invadiram o povoado. A vila está cheia de galináceos esculpidos em grandes troncos de palmeira. Na pousada, os puxadores das portas, os cabides, as xícaras, os pratos, os tapetes, tudo é galinha. Há móveis-galinha; espelhos-galinha; quadros de galinhas em mergulho, no pára-quedas, surfando, dançando o samba… Até o sanduíche tinha um ovo estrelado! Porto de Galinhas, um harém para o nosso galo de Barcelos! Há vinte anos eram 60 casinhas modestas num povoado piscatório. Hoje tem 250 pousadas e 6 resorts… e o Pestana acaba de comprar toda a frente marítima mais a norte, na zona da “Casa do Governador” para fazer um resort de luxo. Porto de Galinhas vai virar capoeira!
* “Peça” ou “peça da Índia” era, desde 1530, um escravo jovem do sexo masculino, de primeira qualidade; todos os outros escravos de ambos os sexos valiam menos do que uma peça. Este termo podia, portanto, incluir 2 ou mesmo 3 indivíduos, consoante a idade, o sexo e a condição física que eram comprados como uma única “peça”. Já agora, será daqui que vem a frase ”saíste-me uma boa peça?!
jp

5 comments:

Anonymous said...

Adoro Porto de Galinha! E com essas noticias alarmantes, tenho que voltar lá, antes que acabe!

João Menéres said...

Infelizmente não escalarei lá.

ortega said...

Porque é que quando escreves sobre o Brasil tens que escrever com sotaque? É propositado ou é do entusiasmo?

Jorge Pinheiro said...

Eduardo: ainda vai demorar uns 2/3 anos.
João: vai ao Brasil?
Ortega: sem dúvida do entusiasmo!

João Menéres said...

ORTEGA

Escrever com sotaque brasileiro é tão gostoso ...
Dá a sensação que estou já lá chegando, sabe?