26.10.08

JET LEG - RECIFE

Julgava que o Recife ainda estava carregado de holandeses. Pensava que os herdeiros do pirata Maurício Nassau ainda por aqui andavam. Que a Companhia das Índias Ocidentais orientava a rapina local. Afinal só cá estiveram 24 anos (1630 – 1654) e, quando fugiram, levaram com eles os judeus que viriam a fundar New Amesterdam, hoje Nova Iorque. No Recife ocuparam uma das três ilhas separadas pelo sinuoso rio Capibaribe formam a cidade. Os holandeses ocuparam a ilha Recife Antiga (Mauritsstad, na foto). Os portugueses, que aqui tinham chegado em 1537 (Duarte Coelho), ocupavam a ilha de Stº António e da Boa Vista. A capital do Pernambuco era Olinda, ali a 20 km. Os holandeses acabaram expulsos depois de sangrentas batalhas onde a coragem portuguesa foi acompanhada pela bravura do luso-tupi Filipe Camarão e do negro Henrique Dias. Aliás, uma das razões que mais irritou os holandeses foi terem perdido contra um exército de gente de cor. O Brasil Neerlandês durou pouco. Como diria o próprio Nassau, se o governo holandês não enviasse colonos em grande número que se substituíssem aos portugueses e se misturassem com os nativos, estes últimos manter-se-iam sempre portugueses de coração e revoltar-se-iam na primeira oportunidade. Foi o que aconteceu!
Afinal a rapina continua, mas já não é orientado pelos holandeses. Agora a rapina é local. Totalmente local. A especulação imobiliária está por todo o lado, em prédios de 40 andares. Condomínios fechados a cadeado, frente ao habitual cadeado, sempre paralelo ao omnipresente Atlântico. Dois quarteirões para trás, um canal nauseabundo lembra-nos a presença do equador a menos de um paralelo de distância, essa linha imaginária abaixo da qual não há pecado. A degradação imobiliária começa logo ali. Casas em tijolo cru, cimento e canos à vista. O colorido do comércio de subúrbio nos seus cartazes verde-alface e cor-de-laranja vivo. Trapalhada urbanística total. Lixo acumulado. Tudo surge com muita rapidez. Passa-se do mundo classe-média securizada e climatizada, para o mundo crioulo suado e sub-urbano, tão rapidamente como o Sol se põe. Tristes trópicos onde anoitece antes de o dia morrer. Às cinco a luz cai de repente. Não há crepúsculo. Não há pôr-do-Sol. Não há poesia. É um interruptor que se fecha. É cedo para jantar. Tarde para lanchar. Melhor não dormir. Que fazer? Porque não há espectáculos antes do jantar? Porque não abrem os museus a esta hora? Resta fazer amor…
Nota: “arrecife”, na língua tupi-guarini, quer dizer “calçada do mar”. Começo a gostar destes tupis que viemos desaquietar.
jp

9 comments:

Francisco Castelo Branco said...

andaste com a cabeça as voltas?

João Menéres said...

Que belo e importante texto, este do Jorge !
Quanta história condensada em meia dúzia de linhas...

Anonymous said...

Jorge,

parabéns pelo TEXTO. É isso aí!
Pelo visto uma vez, não é preciso retornar!

maria antunes said...

welcome back. I hope you liked Recife. I've been there last year, just for one day. :)

Jorge Pinheiro said...

Francisco: a mudança de hora foi bom para atenuar a cacetada. Mas é mau!
João: obrigado. Este post faz sentido com o outro mais acima que complementa as abordagens coloniais dos dois povos.
Eduardo: Até por aí sinto-me em casa...
Maria: Did you?! How nice. Sabes dizer isso em alemão?

Anonymous said...

Jorge
Ótimo texto,precisas percepções.
A especulação imobiliária em Boa Viagem ,esconde o por-do-sol, que para nós não é marítimo, ele fica lá para os lados do Grande Sertão.



" ... que viemos desaquietar ." : lindo !

maria antunes said...

Alemão? O máximo que posso escrever ou dizer é Willkommen. Apesar de ter tido dois anos de alemão, o meu vocabulário é muito reduzido.

Jorge Pinheiro said...

Pois é Maria... E em holandês?

Alice Salles said...

Pobres tupis... Perderam o senso! Porque se perdeu a casa...