1.11.08

JET LEG - DOMINGÃO

Seu Moacir acordou estremunhado às 2 da manhã. Lá nos fundos da casa a esposa, D. Dejacira e a avó Vaneide, arrumavam tachos com arroz, farofa e feijão. Seu Gilson, vizinho do lado, entrou e supetão com 2 garrafas de cachaça em cada mão. “Como é, irmão. Vamo lá?”. Os quatro filhos e três sobrinhos entraram aos gritos chutando uma bola furada e descolorida autografada pelo craque William, do Náutico do Recife. A vanete buzina lá fora apinhada de negros na batucada da cerveja matinal. A família de seu Moacir se aperta na catinga madrugadora do banco traseiro. Caixas de esferovite atulhadas de cerveja Antártida, mesas, cadeiras, toalhas, redes, tachos com muita farofa, feijão e carne de sol.
Há um ano que o povoado anda guardando dinheiro para uma excursão à praia. Alugaram vanetes de duvidosa proveniência e estado decrépito e vão nas “peruas” até Porto de Galinhas. Vai o povoado todo e todos os povoados em redor. Deixam deserto o sertão. Todo o mundo vai ver o mar, comer e beber e, novamente, beber e comer até rebentar. Um dia só. Só um dia por ano. É o Domingão!
Descendentes de escravos continuam agarrados ao açúcar, comandados por senhores que agora se chamam empresários e têm usinas que dantes eram engenhos. Ganham 6 contos por dia (1 conto = 1 real). Sofrem o calor abafado da plantação. As agruras do sertão. A comida pobre que lhes faz inchar a barriga. Sofrem o poder do capataz, pior que o mando do patrão. Os “farofeiros” vêm cozinhar para a praia. É a sua libertação anual. Vêm comer e beber ainda mais!
Ao longe ouve-se já a batucada prenunciando a invasão. Chegam cedo ao Porto. São 5 da manhã. Pai filho, avós, netos, tios, sobrinhos… vem tudo junto ocupar a praia. Tudo berrando, numa algazarra libertária que assusta turistas desprevenidos. A cachaça entornou durante a viagem. Muitas gargantas já não sabem o que dizem. A alegria é muita na chegada. A vanete parqueia atrás da pousada “ Aconchego”, bem no centro do Porto. O mar é já ali a cem metros. O marulhar das ondas ouve-se distintamente. Seu Moacir sai zonzo, amparado pelo vizinho Gilson e pelo compadre Zeca. Seu Moacir não está acostumado a pinga tão cedo. Pisa o areão sujo do parqueamento e cai de borco em sono comatoso.
Às 3 da tarde o Sol começa a querer fugir por trás dos coqueiros. As famílias reúnem os tachos. Homens cambaleando sorvem os restos de cachaça. Os namorados dão o último beijo. Seu Moacir acorda novamente estremunhado lá no parqueamento. A cara pegada de areia adormecida. Olhos injectados de cachaça acumulada. Tropeça para dentro da “perua” sacudindo a carapinha suja de pó. “Então Moacir, gostou da praia?”, pergunta Gilson de gozação. Moacir arrota grosso e responde soluçando: “Não sabia que a água era tão molhada!” O pessoal ri e lá vão sertão adentro, no melaço da paisagem.
jp

8 comments:

Só- Poesias e outros itens said...

Expresso na praia-retrato-do-Nordeste


Adorei, você conseque captar e trasmitir todo o "rebolado" baiano.

bjs.

JU gioli

Alice Salles said...

Ah... e triste... e nao e. Voce fez poesia da vida de quem nao entende de poesia! E eu estou sem acento nesse teclado!

Anonymous said...

Jorge,

por essas e muitas outras é que ao decidir mudar de São Paulo, escolhi o sul, Santa Catarina! Pernambuco, mais precisamente praias ao lado de porto de Galinhas eram uma das opções! Mas não dá! Olha só a foto!

Camilla Ribeiro said...

Cada um na sua dificuldade... Mas, independente, o que importa mesmo, é escrever muito, sempre! Bons exercícios pr ai!

Beijos,
Camilla Ribeiro.

roserouge said...

Eduardo,
Cá é a mesma coisa. Ir ao domingo à praia é insuportável, principalmente aquelas praias de fácil acesso. Um horror!

paulacanto said...

Como posso esquecer de Lisboa e de vocês?
AMEI PORTUGAL!!!! quando ganhar na loteria quero uma casa aí, pertinho de vocês. O difícil vai ser escolher o lugar, são tantos tão lindos....
Agora, ca entre nós, esse presente foi de "grego". Acho que ele quer me segurar em casa... não nasci para escrever.... hahaha vou tentar, mas não garanto..
beijos pra você e pra Fernanda

José Louro said...

Gostei muito do texto e do comentário da alice.
Abraço.

Jorge Pinheiro said...

Ju, Alice, Eduardo, Camilla, Rose. José, obrigado pelos comentários.
Paulinha: nós ajudamos a escolher o local... Agora tirar o Eduardo de lá, não sei não! Tudo de melhor para você. Beijos.