LÁ VÊM OS ÁRABESNa primavera do ano 614 d.c., espalhou-se uma notícia terrível no Oriente cristão: Jerusalém acabava de ser tomada pelos Persas, de Khosroes II (“O Rei dos Reis”) e tudo ardia ou fora pilhado.
Khosroes II, proclamara uma guerra santa contra os cristãos, apenas poupando os nestorianos e os monofisitas, a quem havia dado protecção. Bizâncio pareceu-lhe uma presa fácil: eventualmente aspirava ao “trono universal”, ao antigo sonho de Dario… o rival de Alexandre Magno.
Esta “guerra santa” começou a 5 de Abril de 622. Era o Ano da Hégira, mas quem o sabia?!
Os Persas acabaram derrotados pelos bizantinos.
Quando em 630, Heraclio, o general bizantino vencedor, volta a colocar a “Cruz Verdadeira” em Jerusalém, todo o Oriente cristão derramou lágrimas.
No entanto, o “valoroso cruzado” ao derrotar a Pérsia tinha aberto o caminho aos cavaleiros de Alá…
De facto, se a Pérsia e Bizâncio, os únicos impérios desta parte do mundo, não se tivessem esfalfado numa luta fratricida, o “Rei dos Reis” teria facilmente reexpedido os guerreiros de Alá para o deserto donde vinham. Provavelmente, ter-se-iam tornado cristãos e nunca teria existido Islão…!
O Império Persa, vítima das sequelas da guerra, das rebeliões armadas, da luta pelo poder e da peste, desmoronou-se com uma rapidez inesperada! Os Árabes “recém-nascidos” tomam em poucos anos a Ásia Menor e o Médio Oriente.
No século seguinte não vão parar de se expandir, das fronteiras atlânticas da Ibéria, até ao sub-continente Indiano.
Cristo vencera Zaratustra; Alá vencera Zaratustra e Cristo. O Islão vai herdar o ódio dos Persas aos Gregos e estendê-lo a África contra todo o Ocidente, cortando em dois o Mediterrâneo por cinco séculos.
Nessa península entalada entre a Ásia e a África, nessa “Ilha dos Árabes” feita de deserto e oásis, abrigavam-se, nos seus templos, faustosas e perfumadas divindades, em tão grande número que era frequente a invocação em bloco de “todos os deuses” – al ilâh, simplificação de “deus supremo” e, mais tarde, “deus único”.
“Árabe” deriva, ao que parece, do hebreu Arabah, ou seja, “o deserto”.
Embora os árabes ”mais evoluídos” fossem cristãos nestorianos ou monofisitas, a maioria permanecia pagã, fetichista e animista, adorando árvores, nascentes e pedras.
Em Meca, no Kaba – o cubo – a estátua de Jesus estava ao pé de Alá, este símbolo de “todos os deuses” em que alguns espíritos simplificadores tendiam a ver um deus único.
Na verdade, os árabes praticavam apenas dois cultos: o da mulher, que alimentava a poesia; o da poesia, que embelezava a mulher!
Não menos estimado que o triunfador nos campos de batalha, era o poeta que triunfava nas praças[1]…
No fim do séc. VI, Meca havia-se tornado a capital comercial e religiosa da Arábia. Duas famílias disputavam o poder: a de Hachim e a de Omeyya. Foi desta última que nasceu Maomé, “o muito louvado”, por volta de 570 d.C..
Aos 40 anos de idade, em 610, o caravaneiro Maomé, recebe e aceita as revelações do anjo Gabriel, com o qual passa a ter um diálogo constante: ia ao deserto receber ordens, regressando com versículos inspirados.
Foi nesta fase que proclamou, junto da Kaba, a célebre frase: “Deus é grande e Maomé o seu profeta”. Atacou os ídolos; defendeu um Deus único e justiça para todos[2].
Pôs, assim, em causa as tradições e virou contra si os ricos.
Após dez anos de permanência em Meca, alvo de sarcasmos e embaraços, Maomé aceita o convite de uma delegação de Yathrib e emigra para aquela cidade.
A entrada em Yathrib marca o princípio de uma nova era, a da Hégira, da emigração, cuja data oficial viria a ser fixada a 16 de Julho de 622.
Yathrib passará a chamar-se Medina, “a cidade do Profeta”. Nela foi construída a primeira mesquita. Aquando da sua inauguração, Maomé posternou-se três vezes: símbolo da submissão a Alá, o que deu o nome à religião (Islão: render-se, fazer a paz) e aos seus adeptos (muçulmanos: os submissos, os que fazem a paz com Alá).
Rapidamente o Profeta se tornou chefe de Estado.
As instruções do anjo Gabriel e os versículos do Alcorão que saíam da sua boca tinham agora um carácter mais legislativo e pragmático!
Paralelamente, dinamizou o ataque e o saque contra os “increús”, ou seja, contra as caravanas que passavam por Medina (nomeadamente, as de Meca) e contra os judeus, com claros intuitos financeiros.
Entretanto, aceitava que os seus partidários eliminassem as vozes que se lhe opunham, sempre “apoiado” pelo anjo Gabriel.
Nasceu, assim, o fanatismo; começaram, assim, as expulsões de judeus e a apropriação dos seus bens; começou, assim, o sonho de unir todas as tribos numa crença única, numa só nação; o nome de Alá levado aos vizinhos e os seus tesouros trazidos para a “Arábia Feliz” (designação porque era conhecida a Arábia, no Império Romano).
Em 632, Maomé presidiu à peregrinação a Meca. Com os muçulmanos ainda se misturavam pagãos, mas pela última vez: no ano seguinte (após mais uma revelação do anjo Gabriel), somente os “crentes” seriam autorizados a aproximar-se do Kaba. A tolerância muçulmana durou apenas quatro anos, por mais que se diga o contrário…
De facto, com o Islão tudo se passou a uma velocidade alucinante. Talvez porque eles avançavam numa sociedade informe. A verdade é que desde a “invenção” da sua religião, até à unificação da língua, da nação islâmica e da sua expansão por três continentes, tudo se passou em menos de um século…!
A religião muçulmana é de um sincretismo impressionante, agregando aspectos do judaísmo, do budismo, da doutrina de Mazda, do paganismo árabe.
Maomé, o tradutor autorizado de Alá, não se dirige apenas aos árabes: o Alcorão (“discurso”, “recitação”) traz os últimos comandos de Deus aos judeus, aos cristãos, aos pagãos, a todos os homens, pois todos são irmãos (em princípio).
A proximidade com o cristianismo é muito grande. Maomé é enviado de Deus, mas há outros antes dele: Deus revelou o Pentateuco a Moisés, os Salmos a David, o Evangelho a Jesus… A grande diferença está na rejeição do “dogma da Trindade”. Maomé recusa-se a crer que Deus tenha enviado Deus à Terra, negando, assim, que Deus deixasse morrer o Seu Messias na Cruz.
Uma outra “novidade” é a introdução do conceito de “Guerra Santa” (Jihad)[3]. A guerra instituída como artigo de fé, auto piedoso que submete novos fiéis à Lei de Deus ou, se a recusam, os suprime; acto político que permite saciar o ardor das famílias beduínas e assegura a prosperidade muçulmana.
Curiosamente, é neste artigo de fé que se hão-de inspirar mais tarde os Cruzados…
[1] Recomendo a leitura do “Jardim das Delícias”, do Xeique Nefzaui (edição Vega), escrito por volta de 1400, sobre o amor, o erotismo e a sublimação dos sentidos. Diferentemente do Kama Sutra ou do Ananga – Ranga, mais técnicos, a sensualidade e a poesia tipicamente árabes transparecem neste livro.
[2] A adesão ao Islão reduz-se a esta profissão de fé: “Atesto que não há outro Deus senão Deus e atesto que Muhammad é enviado de Deus”. Aliás, negar a unicidade de Deus é, para os muçulmanos, o único pecado sem remissão.
[3] Há interpretações teológicas diferentes para “jihad”, que não vamos aqui aprofundar. No entanto, a “jihad”, assume-se claramente como “guerra santa”, em termos políticos.
NA FOTO, ILUMINURA COM A ASCENSÃO MAOMÉ AO CÉU.
jp
5 comments:
Me deixou querendo ler mais...
Pôe-te com merdas que ainda ficas com a al-qaeda à perna e levas com uma fatwa em cima...
Não augures, ó Al, que teu nome não ajuda!
Alice: obrigado. É um estilo um pouco diferente, um pouco mais "sério", digamos.
Já está impresso !
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