25.2.09

À BEIRA DO ABISMO - I

No Douro não há rectas. Curvas imparáveis sucedem-se numa sucessão estonteante. Vamos de curva em curva, olhando a próxima curva que vem antes da curva seguinte. O próprio tempo é curvo. Redondo nas horas que se perdem em quilómetros circulares sempre à beira do abismo. Vales profundos despenhados na vertigem de socalcos em espiral descendente. Lá em baixo adivinham-se ribeiros murmurejantes de águas límpidas, bordejados de freixos e amieiros. Lá em baixo há, certamente, aves que cantam alegres e barbos que deslizam na suavidade refrescante dos leitos impolutos. Nós, porém, andamos parados em circunferências concêntricas no pavor da queda. As curvas sobem e descem. Têm vida própria. Penduram-se alcandoradas no alto de penhascos. Espreitam desfiladeiros abruptos precipitados em ravinas insondáveis que desafiam a gravidade. A estrada é uma via-sacra. Uma penitência permanente. Vertigem abissal. Curva à direita, contracurva à esquerda. Subida para baixo. Descida para cima. Um ziguezague demoníaco. Sensação constante de desconforto no baixo-ventre. Estômago em convulsões reptilóides precipitando-se cobardemente pelo esófago acima na ânsia do vómito redentor. Gente enjoada que olha desconfiada a profundidade da paisagem que desliza na imensidão vertical do horizonte… É o Douro, angustiado nas circunvalações do destino, pasmado na vertigem de si mesmo!
jp

9 comments:

João Menéres said...

Aqui, na margem direita do Távora, está a Quinta do Panascal, da Fonseca. Aliás, está já à vista.
Parabéns, esta época é realmente favorável para fotografar o Douro!

António P. said...

À beiro do abismo ??!!
Devem ter sido uns dias bem passados.
Um abraço Jorge

roserouge said...

UAU! Lindas estas fotos! Tens um desafio lá no meu canto...

Anonymous said...

Se não dirijo, destripo o mico.
Traduzindo: se não estou na direção do automovel, enjou e ...

Abçs

mjf said...

Olá!
Um pouco "assustador"???
Mas belas...estas curvas ;=)

Beijocas

Tony said...

Um "flash" inspirado. Escorreito. Telúrico q.b.
Um abraço

Jorge Pinheiro said...

João: o Panascal (raio de nome) era logo ali. Aliás, fomos lá.
A todos agradeço, em especial ao estreante Toni, que vai dar muito que falar...

Lília Abreu said...

Uma linda foto e um excelente texto. Tão bem descrito que até me senti às voltas, estonteada. E tive q ir ao google ver "alcandroadas".
Bem, devem ter sido uns bons dias, a inspirar lindas fotos e textos!
Um abraço

Jorge Pinheiro said...

Obrigado Dulcineia. Isto é completamente alcandorado!