20.2.11

EXPEDIÇÃO

O Carlos é um índio Tremembé. Gente do tronco Macro-Jê que predomina nestas paragens. Gente antiga dominada por holandeses e portugueses. O buggy encarnado espera lá fora. Expedição pela areia. Cinco horas pelas dunas e praias desertas. Pancadas de chuva ameaçam o horizonte. O maior barato!... Em Guriu passamos o braço de mar numa balsa. Outro barato!... Depois vem o mangue seco. As dunas móveis cercam a paisagem. Caem inabalavelmente sobre as raízes aéreas e secam o pântano. Seres extraterrestres espreitam o mar. As árvores morrem de pé. As dunas sucedem-se. Trilhas saharianas que só o Carlos pode decifrar. Um deserto tropical. Gado esquelético. Burros sem dono. Escassos pescadores em velas triangulares. De repente entramos em Marte. Montanhas de arenito. Solidão total. O mistério adensa-se. Cada vez mais barato!... Ali a velha Tatajuba. Enterrada na areia. Ventos de 80 quilómetros à hora. As dunas móveis enterram tudo. Um enorme barato!... Mais à frente a Nova Tatajuba. Casas dispersas. A igreja em estilo naif. Seguimos… A Duna do Funil. Um oásis com cem metros de altura. Uns fazem sku. Outros dançam. Os buggys concentram-se. A bicicleta espera. Grande barato, novamente!... A lagoa de Tatajuba. Água doce acumulada das chuvas. Misto de Dafundo e Fonte da Telha. Moscas na lagosta. Homens barrigudos, Mulheres com demasiado pirão. Tudo barato!... Um regresso chuvoso que pica na pele e molha a alma. O Carlos voltou para os seus quatro filhos. Graças ao turismo já tem electricidade, geladeira, tv e net. Carlos já foi a Fortaleza e não gostou. Para ele o Paraíso é aqui…

Nota: “o maior barato” é uma expressão sem sentido. Se é barato não é maior. Se é maior não pode ser barato. Acresce que não se sabe o que é caro. Não há termo de comparação. Um superlativo abstracto de significado nulo.

14 comments:

daga said...

que maravilha :)) devem estar a passar excelentes momentos inesquecíveis!
só não percebo por que não pode ser "o maior barato"! então "a maior felicidade" significa que não existe outro momento tão feliz; "o maior barato" significa que não existe outra coisa tão barata, ou seja, tão boa - pois o que é barato é bom, certo?
beijos ;)

Anonymous said...

Um barato, palavra típica de Nenhures!
Ele tem razão! Fortaleza é o "inferno".

Fátima Santos said...

oh! Jorge eu que já andei em paisagem semelhante- mais a sul, ali por Natal- invejo não ter escrito relatos, e agora trocar contigo para não ficar apenas babando-me da escrita que soa dolorosa e me faz pensar, e tu desculpa, mas não resisto a dizer-te o que penso em cada leitura, seja de facto Fortaleza, ou não, o inferno ou o paraíso: eu poria no título de cada poste relatos de um menino da linha - I dois e por aí adiante
um barato estes teus relatos
o mór barato, Jorge

m.a. said...

Jorge
Que excelente reportagem!
Quem por essas terras passou revive, de uma forma tão real, que estremece...
Quem não passou, com uma descrição tão perfeita, está lá!

Parabéns, tb, pelas imagens que tanto dizem!

Um bá-rá-to, meu!

peri s.c. said...

Ah, ah, maior barato sua tentativa de analisar a expressão "Maior barato" !

É uma gíria criada, ali pelo começo dos anos 70, nos setores contaculturais da época do grande desbunde ( " desbunde", ah, ah, toca você procurar essa )ou seja na época da paz e do amor, quando um " baseadinho", uma " pedra" de LSD ou um coquetel da alguns cogumelos davam o " maior barato ". Vem daí a expressão.

Beleza de reportagem, maravilha as fotos.

Mar de Bem said...

Estás em nenhures ou algures?

Beijo, para adoçar essa secura... de paisagem!

Li Ferreira Nhan said...

O Peri falou e disse!

Jorge Pinheiro said...

Graça: o maior barato não quer dzer nada. Ver o que diz o Peri. Só queria que alguém me expolicasse.

Jorge Pinheiro said...

Eduardo: completamente Nenhures. Aliás, isto aqui é quase Nenhures.

Jorge Pinheiro said...

Maria de Fátima: pena "não teres poara a troca". Todo este blogue são crónicas de um menino da Linha. Até o nome...

Jorge Pinheiro said...

Mauro: obrigado pela exolicação. Já nem dormia :) Mas porque o baseado e LSD davam o maior barato? Essa é a questão...

Jorge Pinheiro said...

Mar: já voltei de Nenhures. Estou noutro Algures.

Jorge Pinheiro said...

Li: mas não disse tudo. Vocês têm muitos segredos.

João Menéres said...

Este texto tinha-me falhado ler.
Devo ter adivinhado que era um barato e pesquei-o agora.