12.4.11

HISTÓRIA DE PORTUGAL - A ÍNDIA


Chegar à índia foi o mais fácil. Ficar lá é que foi pior. Nunca percebemos onde estávamos. Nunca estivemos onde queríamos. Uma cultura que pensámos bárbara. E os bárbaros éramos nós. Acossados. Odiados. Resistimos de raiva.

1 - Entre 1384 e 1422, para variar, Portugal enfrentava uma brutal crise económica. D. João I, o Mestre de Aviz, o salvador da Pátria, inundou o país de “moeda desacreditada”. Um real de prata valia dezanove vezes menos do que no reinado de D. Fernando, seu antecessor e meio-irmão. Uma hiperinflação galopante que fez os preços quintuplicar. A bancarrota era certa, se o Mestre, acompanhado pelo perspicaz Infante D. Henrique, seu irmão, não tivesse decidido dar um salto em frente. Os conselheiros do rei reuniram-se em “congresso extraordinário”, em Torres Vedras (1412). Aí foi decidido desencadear o processo de projecção externa, com uma campanha de marketing nunca vista na Europa medieval. A primeira operação (de que aqui já falámos) foi a tomada de Ceuta, em Marrocos (1415). Avançar para o norte de África foi chegar às riquezas marroquinas e uma cruzada “pour épater les bougeois”, com aval do Papa. Os “títulos do tesouro”, naquela época, eram à base de saques, massacres, espoliações e a escravatura. A descida pela costa africana surgiu com naturalidade. Uma evolução na continuidade. Era até mais fácil. Os mouros revelaram-se duros de roer e com pouca carne. Os escravos negros saíam mais baratos. Eram um produto muito vendável. Revelaram-se pouco exigentes e de trato agradável. Juros garantidos. E o Preste João talvez existisse… Uma demanda utópica e rentável. O Papa aprovou novamente e a crise passou temporariamente. Só com D. João II, um imperialista entusiástico e de visão megalómana, houve uma estratégia concertada e abrangente para conquistar todo mundo (Espanha incluída). Ainda assim, não se tratava de criar riqueza, mas de aumentar o saque, como fazem hoje os principais bancos e especuladores. No final do século XV, o comércio oeste-africano que, ao tempo do Infante D. Henrique, se concentrara em Lagos, passa para Lisboa, onde era escoado pela Casa da Mina, situada no rés-do-chão do palácio real, junto ao estuário do Tejo, para permitir a fiscalização directa do rei. Mas D. João II queria mais. Queria apenas tudo…

2 - A Índia parecia evidente. Porque carga de água haviam de ser os turcos e os venezianos a beneficiar do comércio das especiarias? Ainda por cima, uns eram hereges e os outros… nem isso! Depois de Diogo Cão ter espalhado padrões por essa África abaixo, coube a Bartolomeu Dias passar o Cabo das Tormentas. Corria o ano de 1488. A rota do Índico estava aberta. O rei era cauteloso. Foi um dos precursores da moderna espionagem. Pêro da Covilhã parte por terra até à Índia, disfarçado de árabe e bom conhecedor do idioma. Ainda manda um primeiro relatório do Cairo. Depois… nada. Sabe-se que foi recebido com todas as honras pelo negus da Abissínia (Etiópia), mas impedido de sair do país. Desconhece-se se o rei recebeu mais relatórios. Nove anos decorrem desde que o Cabo da Boa Esperança fora dobrado. Porquê? Escreveram-se e escrevem-se rios de tinta sobre esses nove anos. Os nove anos mais importantes dos Descobrimentos portugueses. Os nove anos em que nada se descobriu. Entretanto, Colombo chega à América. Alguns dizem que estava ao serviço do rei português. Tudo seria manobra de diversão. O azar foi haver América. Entretanto, também, Afonso, filho de João II morre. Ele seria herdeiro de todos os tronos da Península. Facções internas achavam que se estava bem assim. Escravos. Algum ouro. Para quê gastar um dinheirão de retorno duvidoso? Que se passou ao certo? Não sabemos. Apenas especulações.

3 - Foi Vasco da Gama quem teve ordem de largada por mar, em Julho de 1497. A expedição marítima ocorre já no reinado de D. Manuel I, o Venturoso. Vasco era um rapazito ali de Sines, habituado a piratarias e arruaças. Um valdevinos, vagamente afidalgado. Ligeiramente bronco. Quando chegou a Calecut, em 1498, ficou admirado com o nível civilizacional atingido pelas cidades-estado indianas. Gama não foi sequer capaz de distinguir templos hindus de igrejas cristãs. Morreria convencido que se praticava, na índia, um culto aparentado com o cristão. É o mal de se mandar arruaceiros broncos a descobrir novos mundos. Mas este facto revela, também, que, se o relatório final de Pêro da Covilhã tivesse chegado, não se compreenderia este espanto do rapaz Gama. Enfatizamos este ponto, porque ele é vital. De facto, as relações com o Samorim de Calecut foram péssimas, desde o primeiro momento, e tornaram a nossa permanência na Índia um calvário. Onde teríamos de entrar diplomaticamente, acabámos por ter de entrar à força. Erro crasso, que viríamos a pagar caro.

4 – Vasco levava presentes sem valor. Umas contas de vidro; utensílios de latão; alguidares de plástico; pastilhas elásticas; enfim… E queria trazer pimenta, cravo e canela! O Samorim nem o recebeu. Não passou da antecâmara. Mais, quando desembarcaram foram imediatamente abordados por dois tunisinos que lhes perguntaram em bom espanhol: “Que diabo fazem vocês aqui?”. Os portugueses responderam: “Viemos procurar cristãos e especiarias”. Cristãos, tiveram de os baptizar à força. As especiarias vieram a poder de canhão. De facto, irritado com a conduta do Samorim, Vasco bombardeou a cidade. Apenas o poderio militar de longo alcance e a rapidez das caravelas permitiram a entrada no mercado indiano e o domínio do Índico. A verdade é que o monopólio veneziano-muçulmano das especiarias e produtos de luxo asiáticos seria interrompido. D. Manuel podia honrosamente intitular-se “Rei de Portugal e dos Algarves, Senhor da Guiné e da conquista, da navegação e do comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. Durante um século, um país sem expressão territorial, feito de gente rude e pobre, dominaria o Índico… e em breve viria o Brasil! Uma proeza difícil de explicar e ainda mais de entender. Ainda hoje tentamos perceber. As riquezas chegariam a Lisboa e evitariam a bancarrota por mais umas décadas. Apenas por mais umas décadas…
Jorge Pinheiro

Publicado no blogue "Olhar Direito"

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