1 - O dia 1 de Novembro de 1755 amanheceu magnífico. Um Sol
radioso. Um céu vibrante de azul. A cidade espreguiçada pelas sete colinas. Era
feriado. Dia de “Todos os Santos”. Os sinos repicavam chamando os fiéis para a
missa. Faltavam vinte para a as dez. Um ruído soturno perturbou a calma da
manhã. Um trovão subterrâneo. Uma vibração longa. A terra tremeu. Tremeu muito.
Os edifícios oscilaram. As estreitas vielas pareciam querer tocar-se. As
cúpulas das igrejas balouçavam. A multidão fugia dos templos. As portas são
estreitas para conter tanta gente. Uma fuga desordenada. Caótica. A voz
satânica crescia debaixo da terra. Naves caíam esmagando fiéis. As ruas
desfaziam-se como tapetes apodrecidos. Uma nevoa de poeira enchia o ar. Ruínas.
Prédios disformes, esventrados. Traves caídas. Uma amálgama infernal de corpos
e pedras soltas. Durou seis minutos o primeiro abalo. Quando a população ainda
não se refizera do pânico, veio o “grande abalo”. Foi devastador. Durou três
minutos. Levantou as casas como se fossem de cartão. Sacudiu as ruas como se
fossem de papel. Um furor indescritível devastou a cidade. As velas das igrejas
incendiaram as ruínas. O fogo alastrou devorando tudo. Gente desvairada
percorria as ruas sem destino. No Tejo a água recuou. O rio balançou como se
fosse uma banheira. As âncoras dos navios fundeados no rio saltaram como se
fossem peixes-voadores. O Tejo ganhou balanço. Um tsunami brutal varreu a
cidade. Ondas de trinta metros chegaram ao Rossio. Às onze horas, um novo abalo
acabou por derrubar os últimos edifícios. A Lisboa medieval desapareceu para
sempre. O Tejo engoliu as memórias do passado.
2 – Manhãzinha cedo a família real tinha partido do Paço da
Ribeira (Terreiro do Paço) para Belém, onde ouviriam missa na sua capela
privativa. A zona alta de Belém, a Ajuda, sobreviveu ao cataclismo. A família
real salvou-se. O rei, D. José I, apanhou
um tal susto que nunca mais viveu em casas de alvenaria. Era tal a paranóia que
o rei mandou construir na Quinta da Ajuda um palácio de madeira e pano, para
sua residência permanente. A Real Barraca ou Paço de Madeira foi a sua residência
até à morte, em 1777. No local foi construído o Palácio da Ajuda. O terramoto
seria um castigo de Deus? Foi uma pergunta que ecoou por toda a Europa. Em
Lisboa havia as mais desencontradas teorias. O rei, desamparado e confuso, não
sabia que providências tomar. Apertava a cabeça nas mãos e perguntava
repetidamente: “Que se há-de fazer? Que se há-de fazer para merecer a
misericórdia de Deus? Foi aí que emergiu uma figura providencial. Sebastião
José de Carvalho e Melo, mais tarde Marquês de Pombal, ministro de D. José, não
teve dúvidas: “Sepultar os mortos e cuidar dos vivos”. Em momentos de crise e
medo surgem homens providenciais. Homens oportunistas. Homens de poder. O
absolutismo em Portugal começa com o Terramoto.
8 comments:
é mesmo isso há muitos aproveitadores,beijos
Apreciei a crónica, especialmente a primeira parte.
EMPOLGANTE !
Aquela > As velas das igrejas incendiaram as ruínas. <
é um achado mais do Jorge !
Parabéns pela postagem.
Texto muito realista, muito belo, muito terrível!
Não percebo o fim...então e D.João V? não era absolutista?
beijos
É sempre muito bom ler as histórias ditas aqui.
Como queria saber desse palácio de madeira e pano...
O Marquês de Pombal ouço falar desde que sou gente.
E minha mãe tb o conhecia desde que se tornou gente.
Acredito que ele veio no vapor com meu avô!
Bela ilustração!
Li: e ele andou por aí... vestígios na governação e na arquitectura.
Graça: tens razão... com o Marquês ficou mais "científico".
pois..."mais esclarecido" ;)
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