8.3.12

A REAL BARRACA


1 - O dia 1 de Novembro de 1755 amanheceu magnífico. Um Sol radioso. Um céu vibrante de azul. A cidade espreguiçada pelas sete colinas. Era feriado. Dia de “Todos os Santos”. Os sinos repicavam chamando os fiéis para a missa. Faltavam vinte para a as dez. Um ruído soturno perturbou a calma da manhã. Um trovão subterrâneo. Uma vibração longa. A terra tremeu. Tremeu muito. Os edifícios oscilaram. As estreitas vielas pareciam querer tocar-se. As cúpulas das igrejas balouçavam. A multidão fugia dos templos. As portas são estreitas para conter tanta gente. Uma fuga desordenada. Caótica. A voz satânica crescia debaixo da terra. Naves caíam esmagando fiéis. As ruas desfaziam-se como tapetes apodrecidos. Uma nevoa de poeira enchia o ar. Ruínas. Prédios disformes, esventrados. Traves caídas. Uma amálgama infernal de corpos e pedras soltas. Durou seis minutos o primeiro abalo. Quando a população ainda não se refizera do pânico, veio o “grande abalo”. Foi devastador. Durou três minutos. Levantou as casas como se fossem de cartão. Sacudiu as ruas como se fossem de papel. Um furor indescritível devastou a cidade. As velas das igrejas incendiaram as ruínas. O fogo alastrou devorando tudo. Gente desvairada percorria as ruas sem destino. No Tejo a água recuou. O rio balançou como se fosse uma banheira. As âncoras dos navios fundeados no rio saltaram como se fossem peixes-voadores. O Tejo ganhou balanço. Um tsunami brutal varreu a cidade. Ondas de trinta metros chegaram ao Rossio. Às onze horas, um novo abalo acabou por derrubar os últimos edifícios. A Lisboa medieval desapareceu para sempre. O Tejo engoliu as memórias do passado.
2 – Manhãzinha cedo a família real tinha partido do Paço da Ribeira (Terreiro do Paço) para Belém, onde ouviriam missa na sua capela privativa. A zona alta de Belém, a Ajuda, sobreviveu ao cataclismo. A família real salvou-se. O rei, D. José I, apanhou um tal susto que nunca mais viveu em casas de alvenaria. Era tal a paranóia que o rei mandou construir na Quinta da Ajuda um palácio de madeira e pano, para sua residência permanente. A Real Barraca ou Paço de Madeira foi a sua residência até à morte, em 1777. No local foi construído o Palácio da Ajuda. O terramoto seria um castigo de Deus? Foi uma pergunta que ecoou por toda a Europa. Em Lisboa havia as mais desencontradas teorias. O rei, desamparado e confuso, não sabia que providências tomar. Apertava a cabeça nas mãos e perguntava repetidamente: “Que se há-de fazer? Que se há-de fazer para merecer a misericórdia de Deus? Foi aí que emergiu uma figura providencial. Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Marquês de Pombal, ministro de D. José, não teve dúvidas: “Sepultar os mortos e cuidar dos vivos”. Em momentos de crise e medo surgem homens providenciais. Homens oportunistas. Homens de poder. O absolutismo em Portugal começa com o Terramoto.

8 comments:

xunandinha said...

é mesmo isso há muitos aproveitadores,beijos

João Menéres said...

Apreciei a crónica, especialmente a primeira parte.
EMPOLGANTE !
Aquela > As velas das igrejas incendiaram as ruínas. <
é um achado mais do Jorge !

Parabéns pela postagem.

daga said...

Texto muito realista, muito belo, muito terrível!
Não percebo o fim...então e D.João V? não era absolutista?
beijos

Li Ferreira Nhan said...

É sempre muito bom ler as histórias ditas aqui.
Como queria saber desse palácio de madeira e pano...

O Marquês de Pombal ouço falar desde que sou gente.
E minha mãe tb o conhecia desde que se tornou gente.
Acredito que ele veio no vapor com meu avô!

Li Ferreira Nhan said...

Bela ilustração!

Jorge Pinheiro said...

Li: e ele andou por aí... vestígios na governação e na arquitectura.

Jorge Pinheiro said...

Graça: tens razão... com o Marquês ficou mais "científico".

daga said...

pois..."mais esclarecido" ;)