24.11.12

EFEMÉRIDES


A História nunca se repete. A vida nunca é igual. A água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte. Efemérides são factos relevantes. Factos que mexem com a nossa vida. Que marcam o mundo, um país, uma região. Acontecimentos memoráveis. Factos de que só temos consciência a posteriori. Quando sucede vivermos esses factos, não temos ainda a perspetiva histórica da sua relevância. Só mais tarde, às vezes décadas depois, é que entendemos a sua importância. Quando Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cabo ainda era das Tormentas. O enorme alcance desse feito para o mundo moderno só foi devidamente compreendido mais tarde. Primeiro era apenas mais uma viagem marítima. Depois passou a efeméride de expressão mundial.
Muitas efemérides mantêm-se no tempo porque se institucionalizam. Ganham uma dimensão simbólica. O caso mais típico é o dos feriados nacionais que comemoram vitórias em guerras fundamentais para a independência de um país ou datas cruciais para a alteração de regimes. Muitas são datas que já nem sabemos bem a que correspondem. Datas que se comemoram em sessões solenes, enquanto o povo vai para a praia. Se é verdade que há efemérides de expressão mundial, outras são comemoradas exclusivamente por um determinado regime político e abolidas pelo regime que lhe sucede. Efemérides são factos indesmentíveis. Acontecem. A sua valoração ideológica é que varia de regime para regime ao longo dos tempos.

Assim, no limite, podemos dizer que efemérides são factos históricos sobre cuja relevância, em dado momento, existe um consenso alargado. Os regimes políticos e, depois, a memória dos homens, podem transformar factos irrelevantes em efemérides ou fazer esquecer factos notoriamente relevantes relegando-os para o limbo da História. Os regimes políticos podem enfatizar factos perniciosos ou abolir outros de grandeza inquestionável para efeitos de propaganda própria. Um exemplo absurdo: se a Espanha conquistasse agora Portugal, o feriado de 1 de Dezembro seria, certamente, banido do calendário e as comemorações oficiais não mais se realizariam. E, no entanto, a efeméride existiu.
A verdade pode ser manipulada, apagada, distorcida ou alterada. Mas as efemérides estão lá como âncoras da memória. São datas que nos recordam factos. Factos que nos recordam quem somos.
 
Texto que escrevi para introdução ao capítulo "Efemérides", das "Crónicas Maquistas". Livro a editar pelo meu amigo Luís Machado, em Macau.

10 comments:

João Menéres said...

Só posso ler logo bem à noite !...

daga said...

gostei muito do texto - realmente "efemérides" são factos que não são efémeros ;)
beijo

Silvares said...

No meio da confusão já nem tenho a certeza: o 1º de Dezembro ainda se comemora? A Espanha já não é Portugal?
:-)

Jorge Pinheiro said...

Seja como fôr é efeméride.

Fatyly said...

Mas compete-nos a nós passar essas "âncoras da memória" às gerações mais novas e será que todos o fizeram bem? A maioria não sabe nem faz um esforço para saber e não sei dizer o porquê!

Gostei!!!!


João Menéres said...

Em que dia se comemorou a Batalha de Aljubarrota ?
Porque razão se comemorou o assassinato do
Rei D. Carlos por uns ditos democratas ?

Está tudo explicado aqui, Jorge, não é verdade ?

Um abraço.

Anonymous said...

Mais um livro?

myra said...

que fantastico, mais um livro!!!!

Jorge Pinheiro said...

O livro é de um amigo meu de Macau que escreveu cerca de 200 crónicas no Jornal Tribuna de Macau e vai lançar em livro. Eu só faço pequenas introduções.

Li Ferreira Nhan said...

Muito bom Jorge.
Por mim só espero não esquecer os feriados, os dias, as semanas...