Idalécia ficou a matutar naquilo, “Vais a ver que ainda é o teu
alemão”. Quando se encontrou com Melzek naquela noite, ia apreensiva. Claro
que aquilo era uma parvoíce, mas não conseguia deixar de pensar na conversa com
o irmão. E se fosse ele? Melzek era um homem solitário. Ela sabia isso. Via-o
todos os dias sozinho. Sempre enfiado em casa. Sempre na varanda a fumar os
seus cigarros. E se fosse ele? E depois começou a lembrar-se. Ele pouco falava
de si próprio. Fugia sempre às perguntas. Só falava do presente ou do futuro.
Nada do passado. Nunca quis tirar uma fotografia com ela. Nem sequer deixava
tirar-lhe uma foto só para recordação. Cada vez que ela tentava, fugia. Dizia que
não era fotogénico. Ela já desistira, para evitar conflitos. Era um homem
delicado, aparentemente calmo. Mas, ao fim de quase dez dias que andava com
ele, era evidente que havia ali muita tensão acumulada. Depois, havia mais
coisas estranhas. Não tinha telemóvel. E, no entanto, nos dias que antecederam
a explosão, ela lembrava-se bem que ele falava ao telemóvel lá no alto da
varanda em frente ao supermercado. Mais estranho, ainda. Não queria falar do
atentado. Sempre que ela falava do atentado ele encolhia os ombros. Não
comentava. Parecia querer fugir ao assunto. Ela sempre achara que era por
alguma insensibilidade que lhe seria inata. Mas agora já não sabia. Idalécia
estava confusa. Aquela frase da cunhada ecoava-lhe na cabeça.
(Continua)
6 comments:
ÓTIMA ILUSTRAÇÃO. O texto já conheço!!!
A confusão faz parte da vida.
E o suspense de um policiário.
a Idalécia está apaixonada mas não cega nem estupidificada !
lá em cima na foto, és tu disfarçado ou vais-me bater...?
GRAÇA
Acho que não !
"Isto" até parece um alemão a olhar para Portugal espantado com o descalabro que reina por cá.
Um beijo.
Dei uma sonora gargalhada quando me deparei com esta foto. O texto...tenho estado a imprimir para ler tudo de seguida:)
Fatyly: posso mandar o livro todo. Basta que me dês a morada.
Post a Comment