10.2.17

COMIGO MESMO - LVII


Desde que vim para Nova Oeiras sempre andei acompanhado por cães. Primeiro foi o Nero, um “Serra d'Aires” de pelo preto e encaracolado. Era como se fosse um irmão. Viveu quase toda a minha adolescência, até começar a fazer disparates. Como cão-de-guarda que era, teimava em trazer para casa qualquer rebanho que visse. Naquele tempo havia ainda ovelhas a pastar na Quinta das Palmeiras e mesmo em Nova Oeiras. Por mais de uma vez, arrastou o rebanho inteiro tentando fazê-lo passar o portão da moradia, perseguido pelo pastor impotente e por dois cãezitos pequenos enervados a ladrar atrás. O pior foi que o Nero começou a morder. Primeiro foi um amigo meu que, na brincadeira, me ameaçou com um pau. Em minha defesa, o Nero perfurou-lhe o braço. Depois foi o carteiro e o polícia que ficaram com farda rasgada. Finalmente, numa rara discussão com o meu pai, ele levantou a mão ameaçando dar-me um correctivo e zás! O Nero trespassou-lhe a mão de um lado ao outro. Acabou enviado para uma unidade militar, onde estavam a fazer experiências com cães de ataque de raças portuguesas. Ao que soubemos depois, atacou o tratador e filou o capitão da unidade. Julgo que acabou fuzilado.
A seguir veio o Athos, um “Setter” irlandês de grande porte, pelo ruivo e completamente despassarado. Duvido que alguma vez tenha percebido quem eram os “donos”. Sempre a correr furiosamente por Nova Oeiras, acabou por desaparecer não tinha ainda três anos, talvez atropelado, roubado, ou apenas desaparecido em combate. Nunca soubemos.
A seguir veio o Bruce. Um “Pastor-Alemão” castanho e preto. Foi no Verão de 68. Quase com 17 anos, completei o 7º ano do liceu. No ano seguinte entraria para a Faculdade de Direito. O Bruce foi-me oferecido por uma namorada de Verão. Chamei-lhe Bruce em homenagem ao Jack Bruce, baixista e vocalista dos The Cream, a banda que mais ouvia na época. Era um cão que impunha respeito. Não andava à solta. Tinha de ficar preso à noite. Andava comigo sempre de trela. Fizemos uma boa parelha durante alguns anos. Depois o cão morreu, julgo que com problemas cardíacos.
Estes foram os três cães da minha adolescência. Depois, já muito mais tarde, ainda veio o Guri, um rafeiro super simpático que acompanhou a infância dos meus filhos e, finalmente, o Bezunga, um “Serra da Estrela” arraçado de “Pastor-Alemão”, animal de grande porte, com quase 60 quilos. Morreu, faz agora três anos. Sofreu muito nos últimos tempos de vida. Alergias, doenças de pele e finalmente cancro. Passámos dois anos de veterinário em veterinário. Acabou por ter de ser abatido. Fui eu que dei a ordem. Fiquei a segurá-lo até ao fim e depois chorei muito.
O problema dos cães é a pouca duração, a quantidade de doenças que acumulam, o afecto que lhes temos e as saudades que ficam. Não faço tenções de ter mais cães.

2 comments:

João Menéres said...

Em número de cães, julgo que nos equivalemos.
Um cão polícia.
Um galgo.
Uma cocker.
Uma perdigueira portuguesa.
Só tenho fotografias das duas últimas que cito, mas sei que tivemos alguns mais exemplares de outras raças...
E tive uma gata, é verdade.

Pois é, Jorge, afeiçoamo-nos aos amigos de 4 patas e depois é uma tristeza.

Li Ferreira Nhan said...

Cães de porte pequeno e muito pequeno vivem muitos anos.
Os grandes e gigantes morrem mais cedo(há exceções claro), assim como os de raça pura que parecem mesmo que possuem "prazo de validade".
Quanto mais mistura mais saúde.
Imagino que o rafeiro venha ser o nosso vira-lata, ou SRD. Esses sim costumam ser fortes e resistentes. Atualmente tenho 6;são os meus eleitos.

A perda só é lamentada quando o convívio foi querido. Afinal as boas lembranças é que contam.