22.1.09

ESTÁCIO DE SÁ

Não tendo sido colonizada pelos portugueses nos anos que se seguiram à descoberta do Brasil em virtude da hostilidade dos indígenas Tamoios, a baía de Guanabara foi ocupada por colonos franceses, sob o comando de Nicolas de Villegagnon. Ali tentaram instalar a “França Antártica” (1555-1567). A expedição e instalação francesa tiveram o apoio muito directo do ministro Gaspar Coligny. A instalação inicial deu-se na ilha de Serigipe, onde foi construído o Forte Coligny, estendendo-se depois para terra, ocupando a zona entre a actual praia do Flamengo (onde desagua o Rio Carioca) e o outeiro da Glória. Aí, os franceses iniciaram a construção de uma cidade, Henriville, em homenagem ao rei Henrique III e que poderia vir a servir de refúgio aos protestantes huguenotes perseguidos em França. Cidade rudimentar que logo foi destruída pelos portugueses, dela não há vestígios hoje em dia.
A 22 de Janeiro de 1565, Estácio de Sá, com mandato da regente portuguesa D. Joana de Áustria (na menoridade de D. Sebastião), embarca da praia de São Vicente, alguns quilómetros mais a norte, como uns mamelucos e uns quantos tupiniquins e ataca os franceses que acabam expulsos. Seria o fim do devaneio francês e o princípio da “cidade maravilhosa”. A 1 de Março desse ano, Estácio funda a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (em homenagem ao príncipe português) em terreno plano, ali entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, onde constrói uma paliçada (actualmente Fortaleza de S. João). Estácio morre dois anos depois na batalha de Uruçu-mirim (praia do Flamengo) ferido por seta indígena dos Tamoios que lhe vazou um olho e terá originado uma septicemia.
Desses tempos heróicos nada resta. A cidade cresceu sobre terra dos tupiniquis, dos tamoios e dos tupinambás. No séc. XVIII surgiu o caminho que do centro da cidade segue a São Cristóvão, através da Rua Matacavalos (actual Rua do Riachuelo), passando pela Estrada de Mata-Porcos, hoje Largo do Estácio, onde ainda podemos encontrar a Igreja do Divino Espírito Santo.
O samba moderno nasceu no Bairro do Estácio. A primeira Escola de Samba do Brasil foi criada em 1928 por Ismael Silva, Bide, Marçal, Mano Edgar e outros. A chamada “Turma do Estácio” costumava reunir-se na subida do morro de São Carlos, no Estácio. Essa Escola passou a chamar-se “Deixa Falar”. Pretendia-se romper coma tradição de violência entre os blocos dos vários bairros e criar um novo tipo de Carnaval. Como a rivalidade era grande e todos se achavam superiores, o pessoal do Estácio dizia “Deixa falar”. O nome ficou. A Escola não chegou a participar no primeiro desfile oficial, em 1932. Nessa data tinha-se transformado em rancho. O samba era uma mistura de maxixe, modinha, polca e jongo. As primeiras escolas de samba apropriaram-se da estrutura de dos cortejos e das procissões e apressaram a linha melódica associada a uma intensa cadência rítmica para imprimir mais andamento a esse cortejo. As fantasias só foram obrigatórias a partir de 1949. Entretanto no morro nascia a escola “Unidos de São Carlos”, actualmente “Estácio de Sá” e cujo momento alto foi a conquista do título de 1992, com o enredo “Pauliceia Desvairada”!!!
Um Largo muito musical a que certamente não foi alheia a seta indígena que inflamou a vista ao fundador Estácio de Sá, fazendo-lhe, assim, apurar o ouvido. Lá nasceu também o nosso querido Luiz Melodia que nos perseguiu a adolescência (vá-se lá saber porquê) com aqueles versos endiabrados e inconsequentes: “Se alguém quer matar-me de amor/que me mate no Estácio/bem no compasso/bem junto ao passo/do passista da escola de samba/do Largo do Estácio/O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço/trago não traço/faço não caço/o amor da morena maldita do Largo do Estácio”.
Imaginem se os franceses têm ficado por lá… Andava tudo muito huguenote, sem samba, sem desfile, sem fantasia e em vez do Luiz Melodia tínhamos o “xarope” do Adamo da Antártica a cantar “Tombe la Neige” sem caipirinha. Safa!
jp

2 comments:

Anonymous said...

Excelente texto, como sempre, aliás.
Só um reparo : o nome do compositor é Bide ( sem o acento no e ), lê-se : "Bí-de".

Sobre seu comentário sobre o termo " Paulicéia Desvairada ", lá no Varal de Idéias.
Tivemos aqui em SP a Semana de Arte Moderna, em 1922, que lançou formalmente o Modernismo em nossas artes. As manifestações foram várias, em todas as modalidades artísticas.
Entre elas o livro de poesias " Paulicéia Desvairada" de Mario de Andrade.
Esse título virou um epíteto para a cidade de SP, que tinha em 1930 cerca de 900.00 habitantes e hoje tem 12 milhões num crescente,incontrolável e assustador processo de urbanização ( desvairada, eh, eh ).
Daí também o título do desfile vencedor da Estácio, que foi buscar no livro e no "retrato" da cidade a inspiração para seu enredo.

abraço

Jorge Pinheiro said...

Peri: obrigado pelo esclarecimento imprescindível para a total compreensão do nome. Foi falta de investigação minha, mas assim é bem melhor porque se potencia a comunicação. Corrigido o nome Bide.
Abraço.