Não tendo sido colonizada pelos portugueses nos anos que se seguiram à descoberta do Brasil em virtude da hostilidade dos indígenas Tamoios, a baía de Guanabara foi ocupada por colonos franceses, sob o comando de Nicolas de Villegagnon. Ali tentaram instalar a “França Antártica” (1555-1567). A expedição e instalação francesa tiveram o apoio muito directo do ministro Gaspar Coligny. A instalação inicial deu-se na ilha de Serigipe, onde foi construído o Forte Coligny, estendendo-se depois para terra, ocupando a zona entre a actual praia do Flamengo (onde desagua o Rio Carioca) e o outeiro da Glória. Aí, os franceses iniciaram a construção de uma cidade, Henriville, em homenagem ao rei Henrique III e que poderia vir a servir de refúgio aos protestantes huguenotes perseguidos em França. Cidade rudimentar que logo foi destruída pelos portugueses, dela não há vestígios hoje em dia.A 22 de Janeiro de 1565, Estácio de Sá, com mandato da regente portuguesa D. Joana de Áustria (na menoridade de D. Sebastião), embarca da praia de São Vicente, alguns quilómetros mais a norte, como uns mamelucos e uns quantos tupiniquins e ataca os franceses que acabam expulsos. Seria o fim do devaneio francês e o princípio da “cidade maravilhosa”. A 1 de Março desse ano, Estácio funda a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (em homenagem ao príncipe português) em terreno plano, ali entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, onde constrói uma paliçada (actualmente Fortaleza de S. João). Estácio morre dois anos depois na batalha de Uruçu-mirim (praia do Flamengo) ferido por seta indígena dos Tamoios que lhe vazou um olho e terá originado uma septicemia.
Desses tempos heróicos nada resta. A cidade cresceu sobre terra dos tupiniquis, dos tamoios e dos tupinambás. No séc. XVIII surgiu o caminho que do centro da cidade segue a São Cristóvão, através da Rua Matacavalos (actual Rua do Riachuelo), passando pela Estrada de Mata-Porcos, hoje Largo do Estácio, onde ainda podemos encontrar a Igreja do Divino Espírito Santo.
O samba moderno nasceu no Bairro do Estácio. A primeira Escola de Samba do Brasil foi criada em 1928 por Ismael Silva, Bide, Marçal, Mano Edgar e outros. A chamada “Turma do Estácio” costumava reunir-se na subida do morro de São Carlos, no Estácio. Essa Escola passou a chamar-se “Deixa Falar”. Pretendia-se romper coma tradição de violência entre os blocos dos vários bairros e criar um novo tipo de Carnaval. Como a rivalidade era grande e todos se achavam superiores, o pessoal do Estácio dizia “Deixa falar”. O nome ficou. A Escola não chegou a participar no primeiro desfile oficial, em 1932. Nessa data tinha-se transformado em rancho. O samba era uma mistura de maxixe, modinha, polca e jongo. As primeiras escolas de samba apropriaram-se da estrutura de dos cortejos e das procissões e apressaram a linha melódica associada a uma intensa cadência rítmica para imprimir mais andamento a esse cortejo. As fantasias só foram obrigatórias a partir de 1949. Entretanto no morro nascia a escola “Unidos de São Carlos”, actualmente “Estácio de Sá” e cujo momento alto foi a conquista do título de 1992, com o enredo “Pauliceia Desvairada”!!!
Um Largo muito musical a que certamente não foi alheia a seta indígena que inflamou a vista ao fundador Estácio de Sá, fazendo-lhe, assim, apurar o ouvido. Lá nasceu também o nosso querido Luiz Melodia que nos perseguiu a adolescência (vá-se lá saber porquê) com aqueles versos endiabrados e inconsequentes: “Se alguém quer matar-me de amor/que me mate no Estácio/bem no compasso/bem junto ao passo/do passista da escola de samba/do Largo do Estácio/O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço/trago não traço/faço não caço/o amor da morena maldita do Largo do Estácio”.
Imaginem se os franceses têm ficado por lá… Andava tudo muito huguenote, sem samba, sem desfile, sem fantasia e em vez do Luiz Melodia tínhamos o “xarope” do Adamo da Antártica a cantar “Tombe la Neige” sem caipirinha. Safa!
jp
2 comments:
Excelente texto, como sempre, aliás.
Só um reparo : o nome do compositor é Bide ( sem o acento no e ), lê-se : "Bí-de".
Sobre seu comentário sobre o termo " Paulicéia Desvairada ", lá no Varal de Idéias.
Tivemos aqui em SP a Semana de Arte Moderna, em 1922, que lançou formalmente o Modernismo em nossas artes. As manifestações foram várias, em todas as modalidades artísticas.
Entre elas o livro de poesias " Paulicéia Desvairada" de Mario de Andrade.
Esse título virou um epíteto para a cidade de SP, que tinha em 1930 cerca de 900.00 habitantes e hoje tem 12 milhões num crescente,incontrolável e assustador processo de urbanização ( desvairada, eh, eh ).
Daí também o título do desfile vencedor da Estácio, que foi buscar no livro e no "retrato" da cidade a inspiração para seu enredo.
abraço
Peri: obrigado pelo esclarecimento imprescindível para a total compreensão do nome. Foi falta de investigação minha, mas assim é bem melhor porque se potencia a comunicação. Corrigido o nome Bide.
Abraço.
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