A luz é branca. Nada existe. Eu também não. Olho e nada vejo. Reflexo opaco. Luz do écran. As mãos, como mecânicas hastes, debicam levemente o teclado. Uma vírgula. Dois pontos. Interrogo a exclamação. Faço o ponto. Entro em reticências. Atraso o parágrafo. Ainda nada disse. Apenas me divirto. Deslizo por entre letras, símbolos toscos da minha expressão. Sei o que não digo. Não sei que o quero dizer. Sei o que nunca direi. Jogos de palavras. Trocadilhos de sentimentos. Uma ironia, uma frase mais esclarecida. Começo a animar. O écran está agora polvilhado de negro. Tudo começa a fazer sentido. E, no entanto, nada planeei. A tela estava branca. As cores surgiram do nada. O improviso é total. Posso passar a vida assim a escrever para dentro de uma máquina. A vida inteira aqui sentado no meu posto até chegar a pontuação final, o derradeiro capítulo. Divirto-me a ver as pequenas letras a saltarem impelidas por uma mola divina. Sei que hoje milhões de palavras, milhares de frases, centenas de páginas estão a ser escritas ao mesmo tempo. Todos escrevemos. Escrevemos para qualquer coisa. Para que alguém nos leia. Ou talvez não. Divirto-me, fazendo travessuras com as palavras. Ocioso de mim, escrevo porque sim. Espelho meu, haverá alguém que escreva melhor do que eu? A resposta bate no écran e faz eco na parede atrás de mim. Rebola estonteante dentro da minha cabeça. As minhas mãos, porém, continuam mecânicas. Dizem coisas que eu não sei. Coisas que eu não queria dizer. Coisas que eu não sabia que tinha para dizer. Falam sem minha autorização. Ultrapassam os poderes da minha vontade. São autónomas, livres. Não conseguem parar. Espelho meu, espelho meu…
7.12.09
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7 comments:
JP, quanto jogo de palavras, de dúvidas de luzes de questionamentos. Muito interessante. Seu texto é sempre muito interessante, bem escrito, bonito, nos prende.
Um beijo,
CON
O que nos salva são os seus dedos falarem!
Mais um texto a dizer muita coisa bem pensada!
Único, JORGE!
Abraço amigo.
Olá Jorge,
O mundo escreve. Palavras que o mundo tem. Saber se melhores escritas precisam ser. Saber que é preciso o ato de ler.
Em meio ao tom delicado, passando pelo ácido e o amado. Às vezes muita inspiração nenhuma erudição, noutras apenas palavras tecnicamente sentidas. Absurdos assim. Sentidos também. Pensados sempre.
Não escreve para qualquer coisa ou para qualquer um.
O imenso prazer de escrever pro excepcional e para o comum, mas nunca para qualquer um. A palavra desce como vinho, penetra com intensidade, transmiti fragilidade, sedução. A mais simples razão.
beijos e obrigada.
..."as pequenas letras a saltarem impelidas por uma mola divina"...que frase mais bonita, Jorge!
Pensei nisto ontem quando percebi que estava no post 100 do meu blog, me perguntei de onde saiu tanto assunto para postar!
Bravo, Jorge. Mais um gol!!!!
Selena: o eu texto/poema está uma maravilha. Rambém sai sem pensaR? Então ainda é mais fantástico. Obrigado eu.
Maria Augusta: só cem?! Vai ver que tem 500 mil para nos contar.
Conceição, João, Eduardo: ainda bem que estão a gostar desta minha novalinha "introspectiva".
Obrigado também para ti que enviaste um mail.
Express, gostei do que li! continue :)
Beijinho
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