Muitos coqueiros e areia. Papagaios e araras. Sapos aos berros. Serpentes quanto baste. Iracema entra em cena. Lábios de mel. As vergonhas à vista. Boa como o milho. Iracema era Tabajara. Martim era português. Estava ali não sei porquê. Ficara amigo dos Potyguaras. Um branco perdido em nenhures. Os Potyguaras eram inimigos dos Tabajaras. E estes inimigos daqueles. Durante uma caçada, Martim perdeu-se dos companheiros Potyguaras. Caminhou durante três dias. Entrou pela mata dos Tabajaras. De repente, Iracema, surge. Assustada disparou o arco. Feriu Martim. Ele não reagiu, pasmado com a beleza dela. Iracema logo se arrependeu. Martim cheirava mal, mas tinha um ar caprichado. Boa perna. Nalgas salientes... Mais que ardor, Martim sentiu a loucura da paixão. Depois de três dias sem comer, Martim comia qualquer coisa. Iracema, arrependida e tremosa, quebrou a flecha. Ofereceu hospitalidade, na oca do pai Araquém, cujo também era pagé. Martim tinha tudo. Tudo menos Iracema. Ela estava sempre atarefada a preparar a poção mágica do pai, o tal que também era pajé. Aparece também Caubi, irmão de Iracema, umas vezes contra, outras a favor de Martim, perturbado por questões freudianas. Naquela noite, os Tabajaros, amigos de Martim, inimigos dos Potyguaras, receberam o grande chefe Irapuã, vindo expressamente para comandar a luta. Martim era branco, mas não era parvo. Apercebendo-se do conflito iminente, fugiu para a mata. Iracema estava lá. Iracema estava sempre na mata, excepto quando não estava lá. Imóvel. Muito séria, perguntou a Martim: "Alguém te fez mal?". Martim balbuciou desculpas esfarrapadas e deixou-se arrastar de volta. No dia seguinte voltam à mata. Sempre a maldita mata... Sem mais, Iracema prepara um poção e dá-lhe umas gotas. Martim alucina e sonha que beija Iracema. Esta não sonha e abraça o português com demasiada profundidade. Do fundo da mesma mata (que começa a ser uma uma auto-estrada) aparece, de supetão, Itapuã (o tal chefe dos Tabajaras que eram amigos de Martim e inimigos dos Potyguaras). Ele era apaixonado de Iracema. Ameaça matar Martim. Este drogado e aparvalhado não reage. Foi a sorte dele. Iracema consegue afugentar Itapuã, como não sabemos, nem interessa para nada. Itapuã sai de cena cada vez mais apaixonado, gritando "que isto não fica assim". Iracema e Martim percebem que têm uma relação difícil. Toda a gente está contra eles: os portugueses; os pajés; os Potyguaras; os Tabajaros; os Itapuãs... Fogem, levando o "segredo de jurema", um poderoso psicotrópico que faz voar os pajés. Talvez esperassem vender bem em Fortaleza. A verdade é ficam pelo litoral a ver passar os coqueiros, felizes e apaixonados. Mas, os portugueses são inconstantes. Martim começa a ausentar-se. Desinteressa-se de sexo. Vai até à venda. Agora é o futebol. Um jogo de cartas. Uma corrida de buggys. Começa a beber... Um dia saiu para comprar cigarros e não mais voltou. Um desgosto profundo se apodera de Iracema. Acresce que tem um filho, Moacir. Martim, arrependido, chega no dia do nascimento, com uma pontulidade invejável. Mas, Iracema morre. É enterrada por Martim e pelo irmão Caubi, ao pé de um coqueiro, à beira de um rio. Este local é chamado Ceará. Martim volta anos depois, carregado de padres e cruzes salvadoras. A redenção do seu pecado inicia a colonização e acaba com a narrativa.
Nota: Alguns acreditam que começou aqui a telenovela brasileira. Estamos em condições de garantir que esta estucha ameríndia foi inventada por José de Alencar ainda antes da televisão. É o mito fundador do Ceará e da cultura mixigenada. Chico Buarque actualiza a lenda com "Iracema Voou", canção de 1998, em que Iracema é apresentada como uma emigrante que vai para a América.
10 comments:
"Iracema" Quem ainda nao leu ,por aqui ?
um romance que faz parte do nosso currículo escolar.
A índia representando a pureza e o colonicador a redenção como voce sugere rs
Bom Jorge .
gosto do seu estilo do contar histórias.
abraços
Taí...
Um jeito novo de ler Iracema que nunca havia visto!
Gosto de suas histórias Jorge!
Abraço
Ó-t-i-m-o texto !
" Iracema a virgem dos lábios de mel " deve fazer parte do inconsciente coletivo erótico brasileiro .
Não necessariamente a Iracema, mas a virgem dos lábios de mel.
Senhores psicoanalistas , manifestem-se, por favor.
A do rei!
Excelente narrativa Jorge.
Mitos tropicais! Todo europeu" DELIRA" nos tórridos trópicos!
Ainda bem que dão isto na escola. Nós é a Padeira de Aljubarrota!
O JORGE revela-se para uma nova plateia !
Está a ver como o seu estlo é admirado ?
Quem começa a ler não consegue deter-se.
Antes assim. Obrigado João.
Vendo bem, foi pela tua forma de escrever que nos conhecemos. Continuas a surpreender-me!Julgo que não posso fazer maior elogio ao que acabei de ler.
Fico sem palavras. Obrigado Mena.
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