23.6.11

NAQUELE TEMPO


M. construíu uma estória em que o futuro era governado por uma eliteque éramos nós, obviamente. O novo mundo era sustentado em Portugal, as ainda colónias africanas e o Brasil reconquistado. Era o “Quinto Império”, renovado e devidamente apopalhado. Tudo isto, conquistado à força de guitarra portuguesa e tendo por “messias” o filho do Rodrigo, na altura com três anos.
Confiante no seu projecto, pediu sucessivas audiências ao então Presidente da República, general Spínola, para lhe apresentar plano detalhado de acção. E só por manifesta falta de agenda não foi recebido e nomeado Ministro da Felicidade Eterna.
À noite pregava um discurso de hermenêutica complexa, empoleirado nas mesas da “Tendinha” (a emblemática tasca da vila).  Outras vezes desafiava quixotescamente os carros da Marginal que se atreviam a devassar-lhe a paranóia, equilibrado, prodigiosamente, no traço contínuo que separa as faixas de rodagem.
Ao fim de seis meses acabámos todos no manicómio. Uns por falta de resistência, outros por manifesta necessidade.
Fotografia de Raul Barbosa.

4 comments:

João Menéres said...

A BOINA ! A BOINA !
Não era basca, mas ia fica a condizer !

Anonymous said...

Esqueces-te de informar que o rapaz da fotografia depois de um periodo de repouso forçado e devidamente medicado, teve uma recuperação total sendo hoje um cidadão exemplar e um membro importante da comunidade. Quanto ao projecto ainda existe na memória.
ORTEGA

Jorge Pinheiro said...

Não esqueci. Deixei-te "brilhar". M. foi um herói para mim. Entrou e saiu da loucura.

Anonymous said...

Obrigada Ortega! Faltava isso mesmo. Mas aquilo que fica realmente em falta, é guardar as memórias dentro de cada um, deixar de ter a necessidade de as publicar aqui e ali, falar da vida de outros sem lhes perguntar, culminando com fotografia do próprio. Sou filha de M. e o Jorge sabe parte da nossa história, da nossa vida. Por isso mesmo, este "post" podia ter ficado guardado. Até porque não sinto nele nenhum elogio (pelo contrário), nenhuma admiração (longe) e nenhum reconhecimento da pessoa que o meu pai é! Memórias, todos as temos, mas nem todos pensamos no outro antes de nós próprios. Tivessem ouvido vozes numa outra altura da vida, que não agora...talvez fossem hoje pessoas diferentes.