26.9.11

SOMOS TODOS BEIRÕES?

Nem sempre férias são sinónimo de Algarve. Precisamos conhecer o “país profundo”. Estamos na Beira. Tudo é possível.
Consta que Viriato andou por aqui perdido entre matas de castanheiros e alcateias de lobos. Viriato era um fedelho irrequieto e insuportável. Pastava entre a Meseta Ibérica e os Montes Hermínios. Manhã cedo, saia do tugúrio familiar com um casqueiro de bolota e uma cabaça de aguardente de zimbro para matar o bicho.
Perna curta de montanheiro, envolto em mal curtido bedum de cabra. Percorria despenhadeiros graníticos em equilíbrio instável. Sonhava vertigens heróicas de libertação radical. Estamos em 160 a. C. O tempo era romano. O espaço incerto. O modo troglodita.
O rapaz pertencia à tribo dos Lusitanos de origem duvidosa. Eles próprios não sabiam donde vinham e muito menos para onde iam. Seriam Celtas? Iberos? Atlantes? Os romanos chamavam-lhes “pernix lusis” (ágeis lusitanos), visto não pararem quietos e serem difíceis de agarrar. Nós não nos atrevemos a chamar-lhe o que quer que seja, para não ferir susceptibilidades.
Viviam amontoados em castros de lusalite. Labirintos em chapas de zinco. Vielas enlameadas em fezes de caprino. Cheiro insuportável a urina. Sebes de couve galaica aparadas em caldo verde. As mulheres estavam permanentemente grávidas, lavando pilhas intermináveis de louça, enquanto os homens se divertiam em monumentais hecatombes com sacrifícios de bodes e prisioneiros das tribos rivais.
Povo anarca e incivilizado. Os romanos bem tentaram discipliná-los. Mas, nada. Como diria um general romano: “A Ocidente da Península Ibérica há um povo que não se governa, nem se deixa governar”.
Viriato deveria ser julgado em acção popular por gestão danosa da “res publica”. Por sua culpa atrasou-se a entrada na Comunidade Económica Romana em quase 150 anos. Foram pontes, estradas, aquedutos, subsídios e, talvez mesmo um novo aeroporto, que ficaram por fazer. Que diríamos hoje de quem nos tivesse impedido de aderir à União Europeia? No mínimo “albanês”!
Dos Lusitanos ficou o mito. A fama de um povo inquebrantável e “iluminado”. A História é mártir do devir e nós idiotas do nacionalismo.
Finalmente, em 138 a.C., três amigos de Viriato, Ditalco, Minuros e Audax, homens esclarecidos e com grande sentido de estado, tiveram o bom senso de assassinar o caudilho, sob o alto patrocínio do procônsul Quinto Servílio Cepião que, sabe-se lá porquê, teimava em nos integrar na Comunidade Económica Romana.
Os rios continuam a correr revoltos. As montanhas abruptas continuam a despenhar-se no vazio. Portugal é Terra de Lusitanos. Viriato está por todo o lado. A Beira somos nós.
Jorge Pinheiro

Texto editado no nº 2 da revista "The Printed Blog" (http://www.tvi24.iol.pt/videos.html?mul_id=13465495)

8 comments:

FAIRES said...

Pronto, se tinha dúvidas, fiquei quase esclarecido.
Eu nãoi me considero "beirão", mas sou descendente. Agora não acredito que todos o sejamos. Assim pergunto :
1) Será que o Jardim também é ????
2) E os gajos que imaginaram o aeroporto de Beja também???
HUMMMM!!!! acho que não, mas ...
Um abraço e parabéns pelo texto cheio de humor.

Anonymous said...

Tirem-me do Algarve, por favor...
Férias?
E o presidente cá do sítio a vender Porto de Mós, Meia Praia e os Índios...
Portugal é terra de lusitanos. Nós também somos.
:)
Mena

daga said...

Gosto do mito, gosto de Viriato, dos Romanos nem por isso, mas GOSTO do teu texto :))
beijo

João Menéres said...

Quando comecei a ler, pensei : O Jorge está a repetir um post , coitado...
Mas, no final, concluo que o COITADO sou eu, pois tinha-me esquecido de lhe dizer que achei muita graça quando diz que > Viriato era um fedelho insuportável e que também percorria os seus trilhos em equilíbrio instável <.

Também apreciei o texto do GONÇALO WADDINGTON !

Um abraço.

Jorge Pinheiro said...

Fernando: eu acho que somos todos... uns mais outros menos. O espírito Lusitano não me agrada.

Jorge Pinheiro said...

Mena: e agora têm algas venenosas...

Jorge Pinheiro said...

Graça: Viriato dá para tudo. Nem sabemos se existiu...

Jorge Pinheiro said...

João: sempre comprou a revista?
De facto este texto é um arranjo de um anterior. Por isso parece repetido.