26.4.12

FATYLY - 25 DE ABRIL SEMPRE


Não estava em Portugal, nasci e cresci em Luanda. Já no meio de uma guerra civil, com recolher obrigatório ainda trabalhava, ir e vir era uma aventura e na hora do almoço, (numa pequena cantina perto, que ainda servia refeições, comemos arroz de cabidela) soubemos "entre-dentes, não fosse a PIDE estar por perto", que tinha havido golpe de estado na metrópole. Imagens zero e à noite ligamos a rádio clandestina e ficámos a saber um pouco mais.
Cada dia após, começou tudo a piorar, eram mais os dias que não podíamos ir trabalhar devido ao tiroteio nas ruas, intensificou-se o "martelar de pregos em caixotes de quem trouxe alguma coisa via marítima", o dia-a-dia passou a ser "sobrevive, sobrevive" no meio do caos nasceu a minha filha a 4 de Abril de 75 e saí em Novembro. Fome, muita fome...e fico-me por aqui!
O que mais me estranha é que ainda hoje permanece o sentimento angustiante de quando aterrei em Portugal e comecei do zero: estar dentro de uma caixa de fósforos.
Porque será?
Hoje ao olhar certas fotos com os cravos, apetecia-me enfiar um molho de cardos nuns quantos indivíduos que destruíram + outros que continuam a destruir tudo, gamaram o que não deviam, meteram-nos numa panela de pressão marca UE, cujo pipo (euro) é o que todos e estamos a sentir na pele!
Apesar dos pesares...25 de Abril SEMPRE, mas hoje deveria ocorrer outro liderado por um povo novamente oprimido e em filas de espera para terem algo para comer!



Uma descrição vivida que impressiona pela franqueza e pela certeza de que a conquista da liberdade implica sacrifícios brutais. A intolerável sensação de perder a Pátria e a alegria de alcançar a Liberdade. 

6 comments:

Li Ferreira Nhan said...

FATYLY, obrigada pelo seu depoimento.
E olha, vc andou por aqui...

Fatyly said...

Tal e qual Expressodalinha, e que sacrifícios perdi a Pátria que a conservo no coração e a liberdade para ambas as parte é tão gostosa.

Li
É mesmo, foram 10 horas de voo - Lisboa/Rio de Janeiro, sempre a chorar sem controlo e quando sobrevoei a vossa baía...minha nossa tão parecia com a de Luanda...foi o fim da picada.
O piloto era conhecido do meu pai que também foi piloto de aviação e a figurinha triste que fiz:
- saí de Luanda 48ºgraus, apenas com uma mala de roupa (tudo o que tinha dei a um casal amigo) aterrei em Lisboa 6ºgraus. Fiquei duas semanas em casa de uma amiga. Saí de Lisboa à meia noite 2º graus, vestida com roupas que nunca tinha visto nem usado, parecia o boneco da Michelin, um frio de lascar e a minha filha também e pelo caminho fomos tirando e aterrei no Rio com um vestido de chita que vesti às pressas e a minha filha de fralda - trinta e muitos graus.
Depois 4 horas de carro para a grande Sampa e vivi em Stº André na Vila Maria bem pertinho da casa de Ayrton de Sena, ainda tão moleque:)

Um povo que adorei e que me deixou imensas saudades.

Obrigado eu pela vossa paciência de lerem:)

Silvares said...

Cada pessoa é um mundo. E cada mundo anda perdido na imensidão de um certo universo. Porque universos também são aos milhões!!!

Jorge Pinheiro said...

Fatyly: Uma descrição épica.

Anonymous said...

A Fatyly parece ser uma ópitma pessoa mas um pouco exagerada. 48 graus em Luanda? Em calhando, sabendo que ela ia para um país frio e, gostando tanto Luanda de sua pessoa, cedeu-lhe mais uns graus para ela levar de reserva. Só pode.
Que exagero, Santo Deus! Ou terá ela saído da Arábia Saudita? Explicas, Fatyly?

Jorge Pinheiro said...

Bem, eu estive em Cabinda com 45 graus à sombra...