14.1.13

ELEGIA AO DESEMPREGO

Antes não tinha tempo para nada. Era trabalho casa. Casa trabalho. Duas horas de transportes. Engarrafamentos. Acidentes. Chegava estoirado. Via a telenovela e adormecia num torpor de exaustão. Não tinha tempo para ler, para sair, para ir ao cinema. Não arranjava espaço para brincar com as crianças. Quase esquecia de amar a mulher. Os fins-de-semana eram dentro do shopping a fazer compras, na ânsia de gastar dinheiro. As prestações da casa para pagar. As férias chegavam sem nada planeado. Pacotes comprados à pressa. Idas à praia naqueles magotes sazonais de gente a granel. A vida era uma monotonia. Um cansaço permanente. 
Agora, desde que estou desempregado, tudo mudou. Tenho tempo para tudo. Até para nada. Posso gozar o Sol. O ar livre. Os jardins da cidade. Os dias da semana deixaram de interessar. Vejo os jogos de futebol naqueles cafés ranhosos com Sportv. Tenho tempo para ler os jornais gratuitos. Estou muito mais magro. Perdi a barriguinha de cerveja. O colesterol baixou imenso. Tenho tempo de ir buscar as crianças à escola. Esqueço-me das horas. Nunca mais andei engarrafado. Deixei de ir ao supermercado. Não preciso de me preocupar com o saldo bancário. Acabaram-se os cartões de crédito. Já não sinto aquele peso de responsabilidade social. Deixei de ter o chefe a chatear. Os colegas com anedotas parvas. Só é pena que a minha mulher ainda tenha emprego. Nem sempre quer o mesmo que eu. Espero que em breve tudo se resolva e ela possa estar tão livre como eu.

11 comments:

conduarte said...

Jorge meu querido amigo!
Tudo o que você escreve aí é verdadeiro, só tem um porém, quando estamos desempregados, precisamos estar também abonados hahahahahah caso contrário a coisa fica feia não é? Enquanto a outra metade trabalha, ainda fica equilibrado... e umas férias para a cabeça é muito importante... Crise, crise... isso é terrível, mas ja passamos por muitas e vamos sair de mais uma...

Quanto aos beijos... ah, como é bom beijar quando amamos a outra boca!

Um beijo de amiga, CON

João Menéres said...

Ai, Jorge !...
Quando faz um texto que a gentinha não fique maravilhada ?
Ao menos para variar...
Ao contrário desse seu retratado, quando eu estava no activo, tinha tempo para TUDO !
Lia, velejava, organizava Campeonatos do Mundo, via a trampa das telenovelas, saía em raides para fotografar fora e para outras coisas que aqui não descrevo...
Agora, reformado, não tenho tempo.
Inventaram os blogues e APANHARAM-ME !
Leituras permanentemente adiadas e fotografar só ocasionalmente.
O meu escritor predilecto mora em Nova Oeiras e esse alimenta-me !

Fatyly said...

Sim é uma libertação mas temos de comer e como é que é? Senti uma dose de ironia porque com os dois desempregados a coisa ficará bem preta, excepto se tiverem quem lhes dê de comer, roupa e calçado. O pedir (como eu tive que fazer no passado)dói para caramba e imagino o que é "um estender de uma mão!

Este teu texto fez-me lembrar 4 pessoas que há uns cinco ou seis anos largaram tudo, mas tudo e vivem na rua e da Sopa do Sidónio e lavabos municipais. Os filhos já fizeram de tudo...mas nada adiantou e lá continuam na sua "liberdade".

Opções que respeito!

Li Ferreira Nhan said...

Ah, a Santa Ironia! O texto é ótimo!

Li este aqui no jornal, sábado, no café. É bem curto.
O pensamento chegou aí.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/88132-melancolia-lusitana.shtml

daga said...

quem pode ser "livre" se não tiver pão?

Jorge Pinheiro said...

Graça: não se pode viver de estatísticas?

Jorge Pinheiro said...

Conceição: pois é. O amor é MUITO importante.

myra said...

sim, mas sabe uma coisa eu nao tenho naa que fazer e acho bem chato...claro que o amor e o mais importante!!!!

peri s.c. said...

Como escreveu o LMillor Fernandes : " O dinheiro não é tudo. Tudo é a falta do dinheiro "

Jorge Pinheiro said...

Pois...

Jorge Pinheiro said...

Myra: mesmo assim faz muita coisa.