Valdemar levantou-se tarde. Eram quase dez horas da manhã. Estava
vagamente de ressaca, depois de uma noite de sexo e champanhe. O jet leg ainda
lhe baralhava os fusos horários. Tropeçou até à sala de refeições. Numa mesa
isolada a um canto da sala estava Moema, acabando o pequeno-almoço. Valdemar
tinha a sensação de já a ter visto em qualquer lado. Teria vindo no avião?
Seria actriz de cinema? Era uma mulheraça. Grande. Imponente. Vistosa. Valdemar
adorava aquele ar decidido, quase militar. A boca expressiva. O cabelo
arruivado. Peitos sólidos. Tudo na mulher era atraente. Valdemar sentia-se com
sorte. Resolveu arriscar. Dirigiu-se à mesa dela e perguntou em inglês: “Posso-me
sentar?”. Estranhou a resposta vir em português. E ainda mais estranhou o
convite ser aceite com tanta prontidão: “Claro, dois conterrâneos devem
confraternizar”, disse-lhe Moema. Ela era de São Paulo. Bióloga. Tinha
vindo a Macau para uma conferência sobre a poluição nas grandes metrópoles. Ele
inventou ser empresário e estar ali para fechar um negócio, o que não deixava
de ser verdade. Moema fingiu acreditar e foi conduzindo a conversa para a
geografia do Brasil. Confessou-lhe estar farta de São Paulo e estar a pensar
estabelecer-se num sítio mais calmo. Como detestava o nordeste, estava a pensar
ir para sul. Santa Catarina podia ser uma boa hipótese. Havia uma zona de que
ela gostava particularmente, ali para os lados da Lagoa de Ibiraquera. A Praia
do Rosa. A Praia da Barra. Garopaba... Nesta altura, Valdemar estava em estado
de sítio. Ia acenando com a cabeça, mas tudo nele era tensão. Moema observava
Valdemar e sabia que o tinha atingido. Ele estava alerta e desconfiado. Estava
onde ela o queria. De repente, e a vida tem destes repentes, saiu-lhe quase sem
querer: “Você conhecia um tal Octávio que foi assassinado em São Paulo no
mês passado?”. Valdemar não queria acreditar. Balbuciou uma negativa e
levantou-se para ir buscar mais dois croissants com queijo. Quem raio era
aquela mulher? Começava a perceber que se metera na boca do lobo. Ela sabia
tudo. Que ele mandara assassinar Octávio. Que vivia refugiado na Lagoa de
Ibiraquera. Tinha-o seguido até Macau. O mais certo era saber do negócio dos
explosivos. Era da polícia, com certeza absoluta. O que mais saberia ela?
Sentiu-se vigiado e, pela primeira vez na vida, sentiu-se indefeso. Não tinha
apoios em Macau. Não podia telefonar a Tsé-Lao e pedir-lhe ajuda. Era a
confissão da sua incompetência. Tentou raciocinar. Tudo levava a crer que a
mulher estava sozinha. Ela não podia ter qualquer apoio das autoridades de
Macau. Tsé-Lao tinha as suas protecções no território. E as autoridades
chinesas não eram conhecidas pela cooperação. Aquilo era China, que diabo! A
mulher estava a “pescar” por conta própria. Só havia uma coisa a fazer.
Fotografia de Roberto Barbosa
(Continua)
2 comments:
é o que dá quando se vai logo atrás de "um rabo de saia" ;)
(a foto excelente no contexto - como sempre - mas esta é especial...)
Eu gosto de rabos de saia :))
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